Encontrei no supermercado biscoito palito francês, que não achava há muito tempo. Queria preparar um doce francês, que não fazia por causa disso. Para saber as proporções reais dos ingredientes, recorri a meu caderno de receitas – que tenho há anos e anos, desde 1954. Pelo tanto de páginas manuscritas, daria para montar um belo livro de exclusividades.
Sempre tive mania da anotar receitas que não conhecia, de doces e salgados. Essa mania me levava a cometer inconvenientes, como, em restaurantes fora do país, procurar descobrir como era feito determinado prato que eu não conhecia. A curiosidade era tanta que já tive vários chefs deixando as panelas para me ensinar, no salão, como se fazia isso ou aquilo.
Foi assim que descobri a raridade das trufas, que não conhecia. Elas custam uma verdadeira fortuna e agora estão em plena safra na Europa, Itália principalmente. Para quem não conhece a história, trufa é uma espécie de cogumelo ou batata que nasce junto das raízes de algumas árvores. São descobertas por cães especializados em sentir seu aroma. Daí o sabor – e o preço. Por aqui não existe nada igual.
Procurei e procurei no meu caderno de receitas, mas não descobri o doce que queria fazer, do qual tenho ainda vaga noção. Vou arriscar. Mas, em compensação, o que achei de receitas raras não está no gibi. Como a torta de nozes de Nadge Nocce, que era a melhor da cidade e tinha de ser encomendada tempos antes, tamanha a procura. Ou o patê de fígado trufado de Bernardete Bahia, quase igual ao francês, que ela escondia para não perder a demanda da clientela, que era grande.
Em compensação, no meio de tantas receitas, descobri uma coisa mais do que evidente nos dias de hoje: como era difícil cozinhar antigamente. A maioria das receitas pede que sejam batidas exaustivamente, e batedor de bolo não existia.
E os produtos que deviam todos serem picados à mão? Liquidificador era um sonho de consumo. Quando apareceu por aqui, poucas donas de casa se aventuravam a pagar o preço. Atualmente, há modelos pequenos que batem com a maior precisão qualquer quantidade de nozes, amêndoas e outras coisas que são acrescentadas às receitas.
Quando fui pela primeira vez aos Estados Unidos, me apaixonei pelos aquecedores, que não existiam por aqui. Aqueciam o café em uma xícara, levava menos de dois minutos. O café esquentava e a xícara ficava normal. Além disso, existia uma parafernália para bater, amassar, cortar, partir. Conjuntos de facas de queijo vinham com vários modelos, um para cada tipo de massa, do mais duro, tipo parmesão, ao mais macio.
Vasilhas para fondue eram raridade, as primeiras que chegaram por aqui vieram da Alemanha e eram vendidas no Alpino, restaurante de primeira qualidade de comida alemã. Lá tinha um garçom chamado Marx que fazia a alegria das turmas que frequentavam o local, bebendo incontáveis chopes.
Entre minhas receitas, a maioria é de sobremesa, mas havia também strogonoff, que fiz em um almoço em minha casa e ninguém conhecia. Trouxe do Rio. Quando servi, pouca gente entendeu, acharam que era uma forma de economizar na carne. Depois virou moda e atualmente faz parte do cotidiano.
Com essas receitas, muitas delas fornecidas por parentes, era costume as pessoas repetirem pratos com frequência. Como acontecia com o pudim de claras, servido com gemada. Nunca consegui repetir, ele sempre murcha.
Há também as receitas fornecidas por Hélio Alkimin (doce del prelato é uma delas), Erica Franke Pinheiro e por aí vai. Só que, na época, para serem reproduzidas, pediam uma série de cuidados que não existem mais. Hoje, é fácil comprar muitas dessas receitas prontas ou semiprontas, colocar o sabor da casa e servir uma bela refeição.