A síntese da bem-sucedida votação da reforma da Previdência, a mais importante para os quatro anos do governo e da atual legislatura, pôs em evidência três eventos determinantes para o futuro do país.
É importante entender o contexto político que circunda este governo atípico tanto para calibrar as expectativas sobre o que dá para fazer no Congresso, quanto para não se adiar a retomada do crescimento, que não engrena. E mais por ranço ideológico que por razões objetivas.
A economia está estagnada, o viés é de recessão, a insuficiência de demanda é notória, mas o Banco Central reluta em afrouxar o controle monetário, ainda que não haja à vista nenhuma ameaça de descontrole fiscal e inflacionário. Ameaças sérias são o colapso das finanças dos estados e da infraestrutura pública, além da precarização social.
Ajuste fiscal sem dinamismo econômico é certeza de crise. Aos fatos.
1º, e mais relevante das tendências em curso, é que há, sim, maioria parlamentar na Câmara para endereçar as reformas modernizantes que já tardam. Ela é a mesma que controla a Câmara e o Senado desde o fim do período autoritário, dispersa entre partidos de centro-direita. Hoje, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do Democratas do Rio, é a sua principal liderança, conduzindo o plenário com eficiência, valendo-se também de sua interlocução fácil com os partidos de esquerda.
2º, embora tenha sido deputado por 28 anos seguidos, Jair Bolsonaro não formou em nenhum tempo uma rede no parlamento e o PSL, ao qual se uniu para disputar a Presidência, é um partido de facções. A policial é a maior, razão pela qual a reforma da Previdência foi desfigurada a fim de preservar o regime especial do aparato de polícia federal (mas não das polícias militares e civis, devido à exclusão de estados e municípios da reforma). Bolsonaro foi peça ativa neste movimento.
3º, sem base política, com o PSL fracionado entre os interesses das corporações policiais, de evangélicos, radicais de extrema-direita e adesistas de última hora, o que o governo tem conseguido na Câmara se deve ao empenho e à habilidade de Maia em construir consensos.
Projetos em construção
Esses três eventos estão consolidados e terão consequências. Daqui para frente a conjuntura econômica e política será influenciada pelo grau de acerto não bem do Congresso, que parece entender o cenário e as suas oportunidades, mas do governo e seus projetos alegóricos.
Os desdobramentos serão função dos passos erráticos de Bolsonaro, de sua trupe de ativistas nas redes sociais e da capacidade operacional, ou seja, de idealizar, negociar e implantar, do ministro Paulo Guedes (no que se mostra devedor). Ministro não vai ao Parlamento para bater boca com parlamentar, como ele fez nas audiências da previdência.
Foi assim que o presidente da Câmara, cuja liderança já era elevada entre os deputados e se reelegeu com apoio do PSL mas sem pedir para ser apoiado por Bolsonaro, acabou assumindo o papel de coordenador da reforma da Previdência. E o fez por demanda dos partidos, sobretudo depois de bolsonaristas irem às ruas enxovalhar o Congresso e o STF.
Sem vez para extremismos
Desse choque de concepções divergentes destaca-se outra evidência – a de que dificilmente um programa liberal extremado terá vez se não for gradativo e pontual, embora escalável. Isso é inexorável.
Com 48% da renda total das famílias brasileiras saindo de algum cofre público, sendo a única renda no caso dos mais pobres num país em que 77% dos domicílios têm rendimento regular de cinco salários mínimos no máximo (84% no Norte e 86% no Nordeste), não se muda o regime fiscal, democraticamente, na canetada. Ou no grito.
Se houvesse crescimento econômico ao redor de 2% ao ano, considerado adequado para sustar o desemprego e o subemprego e começar a revertê-lo, tudo seria mais fácil. Mas nem os ministros e Bolsonaro tocam no assunto nem os projetos em discussão e cogitados, como o tributário, têm condições de por si movimentar a economia no curto prazo.
Chuvarada em terra seca
Vai melhorar? Algo vai, já que a economia está no bagaço e qualquer estímulo será como chuvarada em terra seca. Também não há risco cambial no horizonte, a causa mortis da maioria das economias.
O ânimo mais imediato deverá vir do Banco Central, com três cortes de 0,50 ponto de percentagem da taxa Selic até fim de ano, como está precificado pelo mercado. Hoje ela é de 6,5%. Mas precisa de mais.
O presidente da Câmara articula, em conjunto com o Senado, projetos menos polêmicos que grandes reformas constitucionais para dar algum gás à economia e desanuviar o clima social carregado. A percepção entre os partidos à sua volta é que a dispersão perdeu utilidade, até porque o pagamento de emendas orçamentárias passará a ser mandatório.
Vai ficando claro que as eleições pela primeira vez desde 1994 dependerão de condições em que o governo não necessariamente será protagonista. E que as reformas essenciais para se romper a couraça da burocracia estatal têm de ter viés social. São alentos otimistas.