Como a maioria das pessoas tem mais o que fazer que perder tempo com as distrações da turma cenográfica do governo, constata-se um viés de volta à normalidade na economia, visto pelos resultados do comércio e serviços. Ambos começam a sair da letargia. Não é grande coisa, já que a indústria segue em depressão, o investimento continua mirrado e a contribuição externa acompanha o abatimento da economia global.
Mas os sinais de retomada, embora lenta, são mais animadores do que sugere o ambiente político permanentemente tenso. A economia é vítima e não causa desse estresse. Ele se deve ao extremismo das ideias do presidente e à sua dificuldade em gerir a autonomia das corporações.
Nada disso impediu, até agora, avanços na economia. Mas, graças ao legado do governo passado. O teto de gastos, o convencimento político da necessidade da reforma da Previdência, a modelagem das concessões e o programa de privatizações, o esgotamento das razões da ortodoxia do Banco Central, tudo isso foi plantado antes de Bolsonaro.
A gestão compartilhada entre o governo de Michel Temer, a direção da Câmara, que se mantém com Rodrigo Maia, e os senadores que estão na base do presidente do Senado, David Alcolumbre, abriu o caminho das reformas estruturais, cujos efeitos começam agora a ser sentidos.
Melhor para o país que Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, estejam em tese confortáveis com esse roteiro. Mas estaríamos muito à frente se o presidente fosse mais prudente politicamente e o ministro não insistisse com propostas sem amparo na sociedade, como a capitalização da Previdência e a volta da CPMF. Bolsonaro já entendeu que o núcleo duro do Congresso, sobretudo da Câmara, tem uma direção sobre o que fazer, abstendo-se de intervir no jogo parlamentar.
A esta altura, crítico é entender os efeitos das reformas anteriores a este governo, corrigir o que não funcionou (como a inclusão no teto do naco do investimento alocado na lei orçamentária) e intuir qual a natureza das próximas mudanças. A prioridade deve ser o crescimento do PIB em ritmo mais forte que os 2% projetados para 2020 em diante.
Para sair da estagnação
O processo de saída da estagnação está dado. Ele passa pela ocupação da ociosidade na produção, causa principal do enorme desemprego e subocupação, e por formas mais inteligentes para envolver o capital privado na reabertura das obras de infraestrutura. Isso requer algum investimento público como ignição para pôr o motor para funcionar.
A metáfora que fala em assobiar e chupar cana aplica-se ao momento. O Congresso tem de seguir com reformas de fundo, como a tributária já em curso, iniciar a da folha e carreiras do setor público e deixar a atividade econômica seguir seu curso com menos juros e mais crédito.
Dessa parte, enfim, o Banco Central parece ter se convencido, tanto que se tornou consensual a projeção de Selic a 5% ou 4,75% no fim do ano. Hoje, está em 6% ao ano, com IPCA em 12 meses previsto em 3,4% – abaixo, portanto da meta de 4,25% este ano e de 4% em 2020. Nem com a recente valorização do dólar há riscos, já que a deflação é fenômeno global e, no Brasil, o quadro de estagnação freia as remarcações.
Mercado antecipa virada
Os sinais vitais do mercado financeiro contrariam o tom histérico de seus porta-vozes na imprensa. A taxa de “risco Brasil” está em queda, ao redor de 117 pontos (ou 1,17% adicional sobre emissões de papéis brasileiros). É a menor taxa desde 2013. Isso indica que nem a queda de braço entre EUA e China nem a debacle da Argentina abalaram a expectativa de melhora gradativa do cenário econômico do Brasil.
Tão ou mais significativo é o que aponta o monitoramento das contas públicas pelo economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV). Com a Selic em 4,75% e crescimento de 1,8% do PIB, já com 0,30% de déficit primário, a dívida bruta seria estabilizada. Se a economia crescer um pouco mais, o que é provável, a situação se torna mais confortável.
“Os temais atuais não estão mais voltados para o ajuste fiscal”, diz Pires, “mas para o crescimento e a produtividade”.
Prioridades estão órfãs
A verdade é que nem a União está falida, como alardeiam alguns no governo, nem a gestão pública carece de mudanças profundas. Ela é que faliu, sobretudo pela conjugação de excessos salariais auferidos pela elite do funcionalismo, pelo divórcio entre a responsabilidade fiscal cobrada do Executivo e não exigida do Judiciário e do Congresso, e as desonerações tributárias (mais de R$ 300 bilhões ao ano) desfalcando o orçamento de receita e despesa do governo. A sociedade é que sofre.
É importante entender onde está o problema e qual a sua gravidade ou se vai cair na esparrela de culpar os programas sociais pelo que é (tal como o setor privado) mais vítima que algoz. Isso não é obra de governos social-democratas, como diz o ministro Guedes, mas do que a Constituição dispõe. Ele está certo em querer desindexar as verbas do Orçamento. Mas também proponha desindexar os contratos financeiros e os aluguéis, abolindo este resquício do tempo de inflação endêmica.
No fim do dia, fica a impressão de que se discute muito sobre o que pouco se compreende, deixando órfãs as verdadeiras prioridades.
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