Como atacante diante do gol escancarado que chuta para fora e ainda reclama da torcida, o presidente Jair Bolsonaro desperdiçou a chance de correr para o abraço ao partir para a briga com o PSL, seu próprio partido, desprezando os primeiros sinais mais consistentes de que a economia começa a sair do atoleiro. E depois se queixa da imprensa...
A retomada do crescimento, ainda que frágil, é o que importa à maior parte da população, boa parte desempregada ou se se virando com bicos – não picuinhas entre políticos e a família presidencial.
Não pode alegar que não sabia. A economia nem estava em marcha firme para a insolvência, conforme os diagnósticos pessimistas que hoje se revelam improcedentes de parte da equipe econômica e de economistas que batem ponto no noticiário, nem ia crescer 2,5% a 3%, como dizia o ministro Paulo Guedes no início do ano e também se lia no boletim Focus, do Banco Central, que traz semanalmente os cenários econômicos de uma centena de bancos e consultorias. O que mudou?
Mudaram as percepções sobre as contas devido à virtual aprovação da reforma da Previdência no Congresso, implicando Bolsonaro desperdiça o gol feito dos sinais de alívio na economia ao brigar com a própria sombra “robusta” do déficit projetado para a próxima década, reconheceu esta semana o The Economist Intelligence Unit – importante na formação das expectativas dos investidores estrangeiros. O resto do cenário menos tenebroso vem da mistura de recuperação cíclica com o descolamento relativo entre a economia e a política, cada vez mais tocada pela direita moderada no Congresso, sob liderança de Rodrigo Maia, presidente da Câmara.
É o que está por trás da criação líquida de 157 mil empregos formais em setembro, o melhor saldo para o mês desde 2013, indicando, segundo o economista Fernando Montero, alguma aceleração. Passou de 680 mil, na contagem anualizada até agosto, para 755 mil, podendo chegar perto de 1 milhão de novas vagas com carteira assinada no total de 2019.
É perceptível a melhora das expectativas. Esta semana, a equipe de analistas do Itaú Asset Management revisou a projeção da taxa Selic de dezembro de 2020 para 3,75%. Um ano atrás, diz Montero, a projeção mínima do Focus para fim de 2020 punha a Selic em 6,50%, com mediana de 8,50%. Nesta simulação, o PIB cresce 1% este ano e 3% em 2020.
Besta-fera ameaça menos
A besta-fera do déficit primário do orçamento federal (que exclui o serviço da dívida pública) também é menos ameaçadora do que diziam os dados oficiais. De orçados R$ 139 bilhões em 2019, Guedes agora fala em R$ 80 bilhões. Menos déficit significa menor emissão de títulos pelo Tesouro – portanto, menor pressão sobre os juros.
OK. A conta de Guedes considera a entrada do dinheiro dos leilões de exploração do pré-sal, que não é receita recorrente como as da arrecadação de impostos. Mas isso também estava precificado pelos 'vigilantes da dívida' que vivem pondo medo no noticiário de mercado.
Tivesse o governo: 1) moderado o desmonte do parafiscal (BNDES); 2) conduzido as expectativas com um tom mais sóbrio; 3) delegado a Maia a articulação para aprovar as reformas; 4) combinado com o BC a queda da Selic associada à revisão da parafernália "prudencial" criada anos atrás para travar o crédito; e 5) já aprovado o depósito remunerado de recursos ociosos da banca no BC como opção às operações de venda e compra simultânea de papéis de dívida. Certo, o que teria acontecido?
A “uberização” do emprego
1%2b2 3 4 5 = provavelmente estivéssemos hoje com o PIB evoluindo na margem, neste semestre, na faixa de 1,5% a 2% em 12 meses (favorecido pela base comparativa baixa de 2018, decorrente da greve dos caminhoneiros e da incerteza eleitoral). O crédito estaria mais folgado e a confiança seria maior. O resto seria distração.
Lembremos que a renda disponível no piso da pirâmide é um pouco maior do que a captada nas sondagens da Pnad. A economia informal, além disso, cresce nos períodos de recessão/estagnação, que é a forma de o "porão" do PIB se financiar à sombra do fisco. Não surpreende a recuperação do emprego ser mais forte no setor informal.
Informalidade (e “uberização”) explica 86% dos 5 milhões de empregos criados desde março de 2017. É a economia dos aplicativos em ação. Na Pnad, os empregos de motoristas de carros, táxis e caminhonetes foram os que mais cresceram do segundo trimestre de 2017 para o 2º de 2019, chegando a 1,1 milhão de ocupados nesta atividade ( 12,1%).
Maior risco é político
Até aqui chegamos e importa o que virá e o que já está marcado para acontecer. Depois das remarcações baixistas do IPCA e Selic no Focus, deveremos assistir a revisões altistas, embora moderadas, do PIB.
Os pontos fora da curva desse cenário menos medíocre são: 1) a perda do real frente ao dólar, exagerada para um país com déficit externo abaixo de 1% do PIB; 2) a estranha aptidão do presidente em tropeçar na própria perna. É o principal risco para os resultados da economia em 2020. Para ter ideia, blogueiros bolsonaristas foram ao Twitter na tarde de quarta-feira falar da reedição do AI5, o ato da ditadura militar, a depender do que o STF decida sobre a prisão em 2ª instância. De onde vem tamanha petulância ausente nos anos passados?