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Governo desperdiça tempo, sem trazer medidas para imediata reação da economia

Confuso, o Palácio do Planalto inibe a compreensão sobre a economia e a sociedade e se beneficia de decisões tomadas na gestão passada e na Câmara dos Deputados


postado em 03/11/2019 06:00 / atualizado em 03/11/2019 08:16

Agência de emprego em BH: desocupação alta já não tem reagido ao estímulo que os juros mais baixos representam às empresas para investir e gerar vagas(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press %u2013 19/2/16)
Agência de emprego em BH: desocupação alta já não tem reagido ao estímulo que os juros mais baixos representam às empresas para investir e gerar vagas (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press %u2013 19/2/16)
 
O noticiário caótico fomentado pelo presidente, pelos filhos e pela franja fanatizada dos apoiadores que se acham numa cruzada contra alegorias do mal dificulta a compreensão sobre três grandes e profundos movimentos na economia e na sociedade.
 
O primeiro, que Jair Bolsonaro desperdiça ao falar à nação sobre temas que mais desunem que conciliam, é que a economia exibe claro viés de crescimento, repercutindo mais as decisões do governo de Michel Temer e da direção da Câmara pelo deputado Rodrigo Maia que da atual equipe econômica. Medidas de fôlego, como o teto de gasto público, o fim do monopólio da Petrobras no pré-sal e a preparação do ambiente político para aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso são anteriores e demoram a apresentar resultado.
 
Não fosse o estoque de leilões estruturados para as concessões de ativos públicos legado pelo time do então ministro Moreira Franco, do qual o atual titular da área de infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, fazia parte, e nem tais investimentos, dos menores em anos recentes, estariam em curso. Tanto quanto o relativo domínio sobre a questão fiscal tem a ver com a manutenção dos técnicos da gestão passada pelo ministro Paulo Guedes, como o bem conceituado secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida.
O segundo movimento é que o setor privado já percebe o alívio da redução forte dos juros, uma ação iniciada pela direção passada do Banco Central e acelerada pela atual. A transformação ainda mal começou e terá repercussões positivas de alto impacto. O rentismo que por décadas chicoteou os empreendedores, as famílias e levou as empresas a procurar compensar com receitas financeiras a frustração da atividade produtiva pode estar com os dias contados.
 
A resposta do mercado de capitais privados à inversão de rumos da taxa básica de juro administrada pelo BC, vulgo Selic, tem sido mais rápida do que mesmo os otimistas conseguiram prever. O volume de oferta de novas ações na bolsa já excede o nível de 2007, último ano em que os IPOs (sigla em inglês para “oferta pública inicial”) haviam superado os desembolsos do BNDES – R$ 70,1 bilhões em 2007 e tendendo a R$ 83 bilhões este ano.
 
O terceiro movimento de grande alcance envolve diretamente a vida das pessoas, mas não é animador. Falamos do emprego. À primeira vista, conforme os dados da última Pnad, reunidos pelo economista Fernando Montero, o desemprego está refluindo. Não é bem assim, e isso é que deve preocupar, não os fantasmas da revolta no Chile, que assombram o presidente e seu filho Eduardo, deputado federal.

Leitura correta da Pnad


Dos 4,368 milhões de empregos criados em três anos até setembro, 4,124 milhões foram informais, 409 mil foram no setor público, e o emprego formal ceifou 165 mil vagas líquidas, ou seja, o trabalho formal encolheu. Neste período, chegou a 1,204 milhão de carteiras a perda de vagas formais. Viraram desemprego ou trabalho precário.
 
Fazendo-se um corte por atividade, os empregos na produção de bens (agricultura, indústria e construção) diminuíram nesses três anos, 164 mil vagas e em serviços eles aumentaram 4,526 milhões.
A informalidade permanece no patamar recorde de 41,4% dos ocupados totais e alcança quase metade (47,3%) do emprego no setor privado. Essa é a leitura correta da Pnad do trimestre julho-setembro, com taxa de desemprego estável em 11,8%. Significa que a economia ainda está longe de criar empregos formais e de qualidade em ritmo capaz de fechar no médio prazo a elevada ociosidade de mão de obra.


Só a Selic já não basta


Na verdade, o desemprego, com ajuste sazonal, cresceu para 12%, a segunda alta seguida da taxa de desocupação livre de influências sazonais, vindo de 11,9% de junho-agosto e 11,8% de maio-julho.
 
Isso põe em questão tanto a intensidade do laxismo monetário como o aperto fiscal à luz da chamada “taxa neutra” – ou seja, o nível de desemprego que fecha o chamado “hiato do PIB” (ou ociosidade da atividade produtiva) sem pressionar a inflação. Dependendo de suas premissas, a taxa de desemprego já deveria estar entre 6% e 9%.
 
Em suma: há muito espaço para o BC continuar desidratando a Selic. Mas sempre dando os devidos descontos sobre seu poder restaurador. Dada a fraqueza estrutural da produção e o seu envelhecimento vis-à-vis os novos processos tecnológicos desenvolvidos em países mais avançados, talvez apenas o laxismo monetário já não seja suficiente para eliminar o enorme estoque de mão de obra ociosa.

Revolucionários de Twitter


Os tempos tanto da política quanto do ambiente “psicossocial” (uma expressão corrente nos governos ditatoriais) dependem do pulso da economia e do emprego e renda. Tudo mais é desculpa de quem ou não sabe do que fala ou tem propósitos diversos ao interesse nacional.
 
A economia está se aprumando, além de indicar que por ora entende, embora com incômodo crescente, como bravatas de revolucionários de Twitter as baboseiras da ala corneteira do governo. Torce para que os juros e as reformas do gasto e da gestão pública tenham efeito.
 
Essa lógica pede mãos muito hábeis no Congresso. Como diz Montero, “agora é o crescimento que precisa devolver retorno ao investidor estrangeiro que perdeu os juros; dar sustentação a um Executivo suicida; apoiar a reforma liberal; gerar arrecadação para um ajuste amarrado até aqui (quem diria) nas despesas; e devolver denominador à dinâmica entre dívida bruta e PIB”. Já é muito, considerando-se o quadro político. E é muito pouco para o que se faz necessário.

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