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Bolsonaro se agarra ao Centrão, perde Moro e indica mudanças na agenda da economia

'Depois de perder o ministro Sérgio Moro (...), pouco se lixando também em rifar o popular ex-titular da Saúde no auge da pandemia da COVID-19, Bolsonaro se mostra o que sempre foi: um político dedicado aos interesses próprios e da família'


postado em 26/04/2020 06:00 / atualizado em 26/04/2020 09:48

(foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
(foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)


Domingo, dia 19, ficará marcado como o do velório do governo ou talvez o alvorecer de outro. Aparentando estar possuído por alguma entidade saída dos anos trevosos da década de 1930 na Itália, Jair Bolsonaro subiu na caçamba de uma picape e afirmou que “acabou a época da patifaria”, jurou não querer “negociar nada”, discursando para um grupo que pedia intervenção militar e asneiras subversivas.

Não era nada disso, muito pelo contrário. Tentou um golpe de mão, acuado por investigações contra seus três filhos parlamentares, e, não encontrando respaldo, apelou ao que aprendeu como parlamentar.

Ambos os governos têm Bolsonaro como presidente, mas o ferrabrás dá sinais de que dividirá, ou cederá, a cadeira presidencial para outro presidente parecido com o deputado de sete mandatos alojados em partidos do Centrão – o bloco da direita fisiológica, conhecida pelo apetite por cargos públicos, nacos orçamentários e licitações.

Depois de perder o ministro Sérgio Moro, num episódio que começou com a demissão do chefe da Polícia Federal, Maurício Valeixo, pouco se lixando também em rifar o popular ex-titular da Saúde no auge da pandemia da COVID-19, Bolsonaro se mostra o que sempre foi: um político dedicado aos interesses próprios e da família.

Bolsonaro é atormentado pelo medo do impeachment, razão pela qual atiçou a cachorrada virtual contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia; pela memória do Queiroz, seu antigo escudeiro; e pela tutela militar. Só que, impulsivo e limitado, faz o jogo do tudo ou nada. Como agora, ao empurrar Moro e a Lava-Jato para a porta da rua.

Ex-poderoso juiz destemido, ídolo da classe média moralista e que a levou a acreditar que política é valhacouto de bandidos, Moro já não vestia saia justa, mas uma cueca que lhe esmagava os bagos.

“Chega da velha política”, gritou na caçamba estacionada em frente ao QG do Exército. O grito de guerra do rebelde sessentão soou como senha para um assalto ao Congresso e ao STF, como pedia a turba de apoiadores (vários policiais à paisana e seus familiares, o núcleo raiz da extrema-direita minoritária, mas barulhenta, no país).

A reação foi proporcional, com as instituições constitucionais se armando para defender a democracia, inclusive nos termos da Lei de Segurança Nacional. O procurador-geral, Augusto Aras, pediu ao STF e foi autorizado a acionar o Ministério Público e a Polícia Federal para investigar quem patrocinou carreatas e tais infâmias. E...

Parças voltam com crachá


E Bolsonaro tornou transparente a negociação que já vinha urdindo com o pessoal dos partidos do Centrão mais atingidos pela Lava-Jato – gente fina como Roberto Jefferson, do PTB, Valdemar Costa Neto, do PL (ex-PR), ambos condenados, e outros da turma do “é dando que se recebe”, que também se encontra disponível no Senado.

Na verdade, são seus velhos companheiros dos tempos de deputado, dos quais se afastou ao vestir a camisa da Lava-Jato e a bandeira do “novo” na política. Ele recorreu aos ‘parças’ com a expectativa de abafar a liderança do presidente da Câmara, com o qual alterna hostilidade gratuita e reconhecimento pelo seu empenho em aprovar a agenda de reformas econômicas e aquietar a política e o mercado. Mas e o discurso eleitoral de que viria para moralizar a política, repetido no ato caçambeiro? Foi como despedida de solteiro, quando tudo é liberado, menos esquecer a noiva no altar no dia seguinte.

O anacronismo na economia


Bolsonaro é assim, com personalidade multipolar. Dotado de parcos recursos pessoais sobre como gerir um país, a pandemia lhe tirou os pés do chão. Ao assistir à parada abrupta da economia, o pandemônio em hospitais do SUS e a inabilidade do ministro da Economia, Paulo Guedes, para vencer o quinquênio de estagnação e planejar como sair da depressão, voltou-se à doutrina desenvolvimentista da caserna.

Seus ministros fardados nunca acenderam vela para o neoliberalismo de Guedes, focado na austeridade dos programas sociais, parcimônia com os privilégios da alta burocracia e omissão com os subsídios e desonerações tributárias dos setores retrógrados. É, na prática, a mesma política desde o segundo governo Dilma Rousseff, o que levou à maior recessão da história, seguida da estagnação pelo quarto ano consecutivo e que adentrava em 2020 antes da pandemia.

País algum no mundo, da Inglaterra da Revolução Industrial aos EUA da independência para frente, enriqueceu sem íntima relação entre a estrutura política e burocrática do Estado e o setor privado. Nem a China de economia planificada até 1978 e cada vez mais privada. Só aqui o anacronismo do pensamento econômico é seguido à risca.

Novo comunista do pedaço


Dessa salada de eventos nocivos para a economia, maléficos para as expectativas sociais e certamente danosos para a saúde coletiva, vai sair o Brasil do futuro imediato. O cenário é péssimo. Se nos EUA o desemprego já chega a 16%, a maior taxa desde a Grande Depressão dos anos 1930, nós, como economia derivada, é que não vamos sair do enrosco falando em ações que já eram obsoletas no século passado.

Os modelos econômicos estavam questionados em todas as democracias ocidentais antes da pandemia. Com as medidas inéditas de isolamento social ou lockdown adotadas para conter a contaminação e evitar um genocídio, discutir a economia com mente aberta se tornou imperioso. É o que fez o general Walter Braga Netto, ministro da Casa Civil, ao anunciar as diretrizes do que virá a ser um programa de retomada do investimento público e privado em infraestrutura.

É o melhor plano de retomada da economia, único até agora que para de pé, e, no entanto, foi recebido com pedras pela equipe econômica e caçoado por economistas na imprensa sem saberem do que se trata.

Esse Brasil não se ajuda. Parlamentares fisiológicos recebidos de braços abertos por radicais da moralidade que não se vexam de ser assassinos de reputações, como fazem com Rodrigo Maia, e começam a fazer contra Sérgio Moro, “novo comunista” do pedaço. Assim não vai – mas há solução. Difícil, mas há. Só não está nas redes insociais.

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