O Brasil tem futuro, ouvimos desde sempre, enquanto o idealizado futuro de prosperidade teima em frustrar cada geração. Mais uma, a do pós-guerra, vai-se indo, a nascida nos anos rebeldes de 1960 está chegando ao apogeu e... nada. O processo civilizatório segue interrompido, como as mais de 50 mil obras inacabadas país afora.
O mundo avançou, os países que estavam atrás de nós nos anos 1980, quando aqui teria havido um tal “milagre econômico”, nos tomaram a dianteira. Um deles, a China, em breve deverá superar os EUA como superpotência e, em 2025, sua economia já será maior que a do Japão, Alemanha, França, Itália e Canadá reunidos. E nem mais temos, ao menos, a Seleção e o Ayrton Senna para afagar a estima nacional.
A cada solavanco do país, provocado seja por eventos externos como a pandemia da COVID-19 este ano e a grande crise de Wall Street em 2008, seja por causas internas, como os surtos inflacionários antes da reforma monetária de 1994 e o impeachment de Dilma em 2016, há o viés mal disfarçado como torcida de retorno à “normalidade”. Qual?
Os indicadores da economia perdem viço a cada recessão, adiando a redenção social para a maioria da população, que nasce e morre com a carteira de trabalho em branco. Só lhe resta o mercado informal.
Assim estamos agora, com a economia saindo do baque das medidas de isolamento social. O ministro da Economia da vez vende otimismo no noticiário, empresários falam de falta de insumos, o dólar humilha o real, a inflação dá as caras, os operadores de papéis da dívida pública e seus economistas se descabelam, cada qual encenando o seu papel: encurralar o Banco Central, para desistir dos juros baixos, e cobrar o governo e os políticos para enxugar os gastos públicos.
O que está acontecendo e o que vai acontecer depois da pandemia? Para o bem, anote-se que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, está certo ao dizer que a inflação subiu pontualmente e tende a desinflar se o gasto público excepcional devido às ações contra a pandemia sair de cena ao fim do ano, como manda a lei.
É certo esperar. A Selic a 2% ao ano é essencial para a rolagem da dívida do Tesouro, que saltará de 75,8% do PIB em 2019 para 91,5% este ano. Dívida alta pede juro baixo, que não tem razão de subir com a inflação próxima da meta e a atividade econômica e o emprego ainda deprimidos.
O fosso que só se alarga
Para o mal, anote-se que a retomada da economia se dá sobre uma base que encolha a cada retrocesso, além de a expansão ocorrer em setores cuja produtividade é baixa, como serviços, ou que geram pouco emprego e pouca receita tributária, como o agronegócio.
Ao fim, se a economia cair em torno de 4% este ano e recuperar tal perda em 2021, o que está no limite superior das projeções apuradas pelo BC, chegaremos a 2022 com o produto interno bruto (PIB) ainda 0,26% abaixo do nível em que estava em 2019. E nem isso é certo.
A realidade a ser encarada é que a atividade econômica no Brasil cresce menos que o necessário há 40 anos para suprir o aumento da população e permitir a elevação do bem-estar. Trata-se de um fosso que se alarga quanto mais tempo perdemos priorizando o lado fiscal das contas públicas em vez da governança do Estado brasileiro e do planejamento do crescimento. Em relação aos países mais dinâmicos do mundo, como a China, a distância talvez já seja inalcançável.
Desde 1980, segundo Pedro Ferreira e Renato Fragelli, professores da FGV, a renda per capita cresceu apenas 0,6% ao ano, enquanto a da China avançou 7% ao ano. Nos EUA, 2% ao ano. Nestes 40 anos, por duas vezes a década foi perdida, com a renda per capita regredindo 0,6% de 1980 a 1990 e de 2010 a 2020.
Arrimos do caixa público
Tais resultados explicam e resumem as mazelas que nos chocam – da pobreza endêmica, que nem sensibiliza os afortunados de tão antiga, à violência, passando pela eleição de Jair Bolsonaro mais como um voto de protesto por tal situação, já que os pobres correspondem a 70% da população, que endossa as suas propostas.
Ele próprio entendeu, ao se surpreender, e mais ainda o ministro Paulo Guedes, com a multidão de trabalhadores informais habilitada a receber o auxílio emergencial, 67 milhões de pessoas. Equivale a mais de 80% da força de trabalho com carteira assinada.
Parece óbvio que mais que um Bolsa-Família reforçado para resgatar a popularidade de Bolsonaro, do que o país precisa é de crescimento econômico robusto por anos seguidos, de 3% no mínimo, e de estímulos para a expansão empresarial e investimentos criadores de empregos. Ou todos nos tornaremos arrimos do Estado, dirigido por medíocres. Já estamos perto. Os arrimos do caixa público representam 36% da população total. Ou 79% da força de trabalho atual de 96 milhões.
Não bastam só as reformas
A reconstrução da economia, tal como se debate também nos EUA, não se limita a voltar à pré-pandemia. Se lá a criação de bons empregos está na ordem do dia, cobrada pela classe média em retração, aqui o metro é menor – prover emprego decente, assim como educação e saúde eficazes, é a prioridade. Lá e cá isso virá com investimento pesado público e privado, além de meios para grande dinamismo empresarial.
Não bastam as reformas estruturais velhas conhecidas, até porque a maioria delas só terá efeito anos depois de ser aprovada, enquanto há urgências a enfrentar dependentes do crescimento.
Não há relação de causa e efeito entre crescimento e ajuste fiscal – e não passa de vodu ideológico a ideia de que tudo o que vem do Estado é ruim. Nos EUA, onde até o processamento do IR é operado por uma empresa privada, a indução empresarial sob várias formas é prática recorrente desde os anos 1930 e sua expansão foi anunciada pelas campanhas de Donald Trump e pelo presidente eleito, Joe Biden.