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Brasil e EUA: Nasce outro consenso

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Dois gigantes chamam a atenção no mundo pelas suas contradições aguçadas pela pandemia. Em tese, o progresso os assistia por igual – território extenso, riquezas naturais, língua única, colonizados por imigrantes em busca de vida melhor. Na prática, tomaram caminhos opostos desde sua gênese, muito próxima no tempo. Eles tendem a se cruzar se não houver fortes mudanças, cuja receita se assemelha a cada um. É a missão de Joe Biden dada pelo voto.



Sim, falo de EUA e Brasil. A maior potência global luta contra a decadência, cada vez mais exposta pela rápida ascensão da China.

Já o gigante pela própria natureza, segundo o Hino Nacional, nunca teve um passado de fartura a nos guiar na busca por um regresso, ao contrário dos EUA, ainda muito ricos, e da China, cultura com 5 mil anos de história ininterrupta. Até onde a vista alcança, sempre fomos uma nação interrompida, e continuamos pela carência histórica de lideranças visionárias. Jair Bolsonaro nem tem tal pretensão.

A incapacidade de tranquilizar a população, assombrada pelo vírus, apresentando um plano crível de imunização ampla e irrestrita, é a última da longa série de evidências de um país sem rumo e governado por uma gente ora inepta, ora esnobe, mas sempre rasa e insensível.

Desse mato não sai cachorro, como se diz. Mas há salvação. Numa de suas visões, o grande Chico Xavier escreveu que, “embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”.



É a esperança do novo governo dos EUA. Deveria ser a nossa também.

Político sem o carisma de Franklin Roosevelt, presidente que tirou os EUA da bancarrota nos anos 1930 e implantou os alicerces da era dourada do capitalismo, Biden sugere saber o que dele se espera.

Os governantes do pós-New Deal de Roosevelt desmontaram a partir dos anos 1970 a ideia da grande sociedade de renda média, capaz de garantir sua empregabilidade, a saúde da família e a educação dos filhos sem amparo estatal. A sustentação social, criada só para os mais carentes, veio da indução via impostos e tarifas para que as empresas crescessem investindo seus lucros e gerando empregos.

Esse dirigismo cedeu lugar ao tal neoliberalismo, que Trump jurou enfrentar, não o fez, e Biden quer reformar, se puder, com gasto público e política industrial. Tal discussão se insinua por aqui.



Progresso compartilhado

A questão toda se resume, lá e aqui, ao progresso compartilhado, o que não tem havido nos EUA. Nem no Brasil, em que o quadro social é dramático, sobretudo pela estagnação industrial há 40 anos.

Nos EUA, a pauperização da classe média desembocou na eleição de Trump com a promessa de trazer de volta as fábricas e empregos que migraram para a China, em particular. Fez o oposto: cortou impostos das empresas e dos ricos; abriu uma guerra comercial e tecnológica com os chineses, que não reduziu o déficit comercial e reforçou a influência da China na Ásia; e tirou os EUA do Acordo de Paris no momento em que a proteção ambiental se torna unanimidade no mundo.

A economia dos EUA, tal como aqui, mostra na superfície sinais de força, ao agrado do mercado de ações. A competitividade empresarial, porém, é cadente e desafiada pela tecnologia, minando empregos em tempo integral e a renda, origens do endividamento pessoal crônico.



Tais eventos explicam mais a polarização política nos EUA que o ressurgimento do racismo estrutural, as diferenças identitárias e o ambiente de ódio insuflado pela extrema-direita trumpista, segundo o grupo American Compass, formado por conservadores reformistas.

O dogmatismo inexpugnável
O painel das grandes tendências econômicas, tecnológicas e sociais em curso no mundo demonstra a mediocridade das nossas discussões e a falta de caminho, ilustrada pelas preocupações levadas à imprensa pela nata dos economistas mais ouvidos. Falam de precipício fiscal.

“O debate no Brasil está mais ortodoxo que o FMI”, criticou André Lara Resende, principal formulador da reforma monetária de 1994 com o colega Pérsio Arida, num fórum da FGV na última quarta-feira. “É impressionante o dogmatismo inexpugnável entre os economistas.”



E nos EUA, referência acadêmica e profissional da maioria deles?

Depois de um evento, por acaso também no dia 2, o ex-economista-chefe do FMI Olivier Blanchard, professor emérito do MIT, afirmou: “Pesando minhas palavras com cuidado: podemos estar à beira de uma mudança no paradigma fiscal”. Ele se referia ao “grande acordo”, a concordância de nomes como Lawrence Summers (titular do Tesouro no governo Clinton), Ben Bernanke, chefe do Fed na crise de 2008, e os professores de Harvard Jason Furman e Kenneth Rogof. Só medalhões.

Emitir para crescer

Em resumo: os acadêmicos que mais fazem a cabeça dos mercados e da elite dos economistas no mundo afirmam que a estagnação econômica, portanto, social, deve ser enfrentada pelo governo Biden com mais emissões de dívida e de moeda, sem receio de colapso do dólar e de inflação, já que os juros baixos terão vida longa. Não se trata de emitir para gastar com mordomias, mas para investir. E só.

Tal receita, com algumas adaptações, serve ao Brasil. Esse “novo consenso” combina as políticas fiscal, monetária e industrial, que nos EUA começa a perder a mácula de maldita, com a tecnologia como pivô, associada à mudança ambiental não só pela razão climática.

O mundo tende a reunir o keynesianismo do pós-guerra com as peças sociais do New Deal e o arrojo dos startups com base tecnológica. Tudo junto e misturado. A lógica financista da desregulamentação de mercados e Estado mínimo já começa a mudar. Mas não no Brasil. Aqui falta governo para comprar vacinas e montar um plano de imunização maciça. “Tudo por culpa da China e do Biden”, gritarão os radicais.