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Combate ao coronavírus no Brasil: paciência no limite

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As mortes pelo vírus assassino voltaram a aumentar em 22 estados, a ocupação nas UTIs está no limite no Rio de Janeiro, sabe-se que o Ministério da Saúde, entregue a um general da ativa leigo no ofício e confortável como ajudante de ordens de um capitão reformado, não cuidou do planejamento da vacinação em massa da população e... E aí vem o presidente Jair Bolsonaro dizer sabem vocês o quê?

“Estamos vivendo um finalzinho da pandemia”, disse ele na quinta-feira. É de cair a calça ou algo assim. Depois, foi ver um pequeno trecho de rodovia repavimentada no Rio Grande do Sul, onde ficou 10 minutos exibidos pela estatal TV Brasil acenando para motoristas, e foi embora todo prosa dirigindo um esportivo Camaro da PRF. Cumé?
 
Ainda há quem aplauda tais disparates, como falar em “tratamento precoce” para uma doença sem cura e que vacina contra a covid-19 tem risco. Com a imunização em massa começando em vários países, suas distrações cada vez convencem menos. Corre o risco de acabar como quem entra no bar e a turma cochicha: “Ops! Rápido, disfarça! Olha quem chegou!” Aí não tem live em rede social que dê jeito.


Investidores e empresários já não esperam nada entusiasmante desse governo. Cobram reformas como a tributária e a administrativa, mas como obrigação, ainda mais com o calendário flexível do ministro da Economia, sempre dando bronca nos outros e anunciando para daqui a alguns meses incertas “uma, duas, três” privatizações.

As coisas ainda funcionam graças ao Banco Central, que se separou do ambiente tóxico do governo, ao Tesouro e à Receita. O Tesouro se endivida para cobrir a despesa que excede a arrecadação de impostos pela Receita, e o BC tenta manter um ar de normalidade no mercado.

É evidente que falar de normalidade é exagero, embora seja o que o mundo mágico da política parece acreditar. Em Brasília, só se fala de eleição das mesas diretoras da Câmara e do Senado em fevereiro, razão pela qual lá se vão dois meses sem votação de algo relevante. Nem discurso bravo contra e a favor do governo existe mais.



A expectativa é que, eleitos os presidentes das duas Casas, todas as atenções se voltem para a sucessão de Bolsonaro, com a pandemia ainda matando pelo atraso do programa de vacinas, e a economia de volta ao cenário de estagnação e mediocridade dos últimos anos.

No alçapão do Centrão

A esta altura, na metade de mandato e obcecado com a reeleição, o presidente já deveria ter consciência sobre onde errou, as áreas que precisa chacoalhar, um plano para governar de verdade.

Em vez disso, repete o erro de outros presidentes e enfia a mão no ninho de marimbondos da sucessão da Câmara. Ele opera para ofuscar a liderança do presidente em fim de mandato Rodrigo Maia. No Senado, dizia apoiar a reeleição de David Alcolumbre. O STF barrou ambas as candidaturas à reeleição, ao fazer cumprir a letra da Constituição.



De volta ao alçapão do centrão, em cujos partidos sempre atuou até que adotou a retórica da antipolítica para se eleger, Bolsonaro foi buscar em Arthur Lira, deputado do PP de Alagoas, réu numa ação da Lava-Jato no STF, o candidato para disputar a liderança de Maia.

O que pretende? Aprovar na Câmara projetos de sua agenda de armas, afrouxar as leis ambientais, regularizar terras da União griladas na Amazônia, abrir mineração em áreas indígenas, tornar cadeirinha de criança em carros um item opcional, as pautas revisionistas de comportamento – projetos, enfim, que Maia ou engavetou ou enfrentou com a maioria dos deputados.

Só projetos irrelevantes

Convenhamos, nada disso é relevante com a economia empacada desde os anos 1980. O país regrediu vis-à-vis os emergentes, razão pela qual 75% da população continua com renda familiar abaixo de cinco salários mínimos, a maioria dos adultos trabalha na informalidade, estados e municípios estão insolventes, as empresas perderam o seu dinamismo, a infraestrutura sucateou, a criminalidade se alastra.


Esse era o país que Bolsonaro encontrou ao se eleger, herdando uma economia razoavelmente organizada, mas necessitada, sobretudo após a emenda constitucional do teto do gasto público federal, de seguir em frente com as reformas, começando pela da governança do Estado, que é muito mais que cortar despesa. Bolsonaro nunca se interessou pelo que é urgente de fato, nomeou um czar para a economia que já tinha ideias obsoletas 30 anos atrás e ignorou ao recrutar generais para servi-lo à área das Forças Armadas voltada ao desenvolvimento.

Não houvesse a pandemia e estaríamos discutindo neste fim de ano outra frustração dos cenários otimistas sobre o crescimento do PIB. Ao menos o BC não entrou no terrorismo do mercado e manteve a Selic em 2% ao ano. A alta da inflação veio do aumento do consumo, que tende a murchar, e da desvalorização cambial que deixou ocorrer a partir do fim de 2019, esperando elevar as exportações.

A abertura de Guedes

Fato é que não dá para levar a sério um governo que zera a tarifa de importação de revólveres e pistolas (só para comparar, cadeira de rodas recolhe 15%), mas não quis ou não soube montar um plano de aquisição de qualquer vacina disponível no mundo e validada por uma das agências renomadas (dos EUA ou da Europa, por exemplo), além de seringas. Deve ser a abertura comercial do Paulo Guedes...


 
Um governo que coloca o interesse político do presidente à frente dos da sanidade e da sobrevivência da população, que faz uma guerra de vacinas contra o governador João Dória, de quem não gosta, pela sua ousadia de licenciar na China um imunizante para o Instituto Butantan envasar. Bolsonaro começou, como o seu ídolo Donald Trump, negando o horror da covid-19 e não soube recuar.
 
Bolsonaro perdeu e sabe disso. Vai ter vacina, ele queira ou não. Por isso o general Eduardo Pazuello anunciou medida provisória prevendo que qualquer vacina certificada no país será requisitada pelo Ministério da Saúde – o modo tosco de se apossar da vacina do Butantan, única já pronta no Brasil. Óbvio que Dória irá ao STF.
 
O contexto das eleições na Câmara e no Senado é esse. Agora, feche os olhos e imagine o Congresso também submisso. Se até partidos de esquerda estão topando vender-se por uns trocados e pelo fim da Lei da Ficha Limpa, o Brasil acima de tudo está de ponta-cabeça.