Neste limiar de uma nova década e do fim de um ano de pandemia que não deveria ter existido, pode-se dizer com risco de parecer clichê que o Brasil é totalmente viável, havendo lideranças empresariais, políticas e sociais enérgicas e governantes lúcidos e preparados.
Por ora, não há tais condições, mas há articulações discretas para que apareçam até 2022. Sem tal expectativa, o que está em curso há anos deverá acentuar-se: a migração em massa de empresários de todo porte, repetindo êxodo já visto na Colômbia no auge das guerrilhas, na Argentina, depois do colapso do peso fixo, na Venezuela, quando a elite deixou o que tinha para trás e foi cuidar da vida em Miami.
Uma vez consumado o êxodo, já intenso entre jovens que tentam ou bolsas de estudos ou empregos nos EUA, em Portugal, o normal é que nunca mais voltem, significando perda irreparável de talentos.
Embora rara, a combinação entre lideranças e governantes de visão é o denominador comum nas nações bem-sucedidas. Para imaginá-la no Brasil, é preciso limpar a cabeça de vícios, como o fetiche em que se tornou o ajuste das contas públicas. Ele trava o desenvolvimento desde a debacle da ditadura nos anos 1980 e, levado ao extremo, desfibrou o investimento e o dinamismo econômico e hoje inviabiliza a operação do Estado nacional.
Também se deve pensar o futuro imediato excluindo governantes da vez e seus opostos, devido a outro vício enraizado – a ênfase em resultados curto-prazistas, em que tudo se faz visando à reeleição do governo de turno ou a continuidade de seu grupo político.
A dura verdade é que estamos há muito tempo pulando de palanque em palanque sem mudança substantiva, enquanto o mundo segue em frente. Na “década perdida”, como se apelidou o período de 1981 a 1990, o PIB, vulgo economia, teve expansão média anual de 1,6%.
Nessa década que se vai, de 2011 a 2020, o crescimento médio anual foi de irrisório 0,2%, assumindo-se a retração do PIB este ano de 4,4%, cenário do Banco Central. Que suba 4% em 2021 e ainda estará longe do ponto de partida antes da pandemia. A renda per capita só lá para 2030 voltará ao nível de 2014. É isso que queremos? E assim já seria sem pandemia, ao contrário do que afirma o ministro Paulo Guedes. Parece síndrome do país bichado.
País endividado na própria moeda não quebra, como tem afirmado o economista André Lara Resende, um dos principais mentores do Plano Real. Vai à bancarrota quando faltam dólares, vendo-se obrigado a gerar caixa na marra para transferir renda aos credores externos.
Essa é a discussão que começa a se formar à margem da pandemia da COVID-19 e dos chiliques de um presidente sem rumo, assistido por uma tecnocracia empenhada em trancafiar e não em reformar o Estado.
O que falta não é uma reforma administrativa concebida como se o país estivesse à beira do colapso financeiro. O que importa rever é a governança do setor público para reaver hierarquias corrompidas por excessos de autonomia e permitir ao governo governar. E não só.
A maior das subversões, legado dos tempos autoritários, é supor o Congresso como puxadinho do Executivo e achar normal o presidente da República se intrometer na escolha dos chefes das Casas legislativas. Na democracia representativa, o Parlamento tem a palavra final, como orienta a Constituição dos EUA, primeira do regime republicano com divisão tripartite dos poderes, no mundo.
Aqui, desde a redemocratização, prevalece o tal “presidencialismo de coalizão”, operado na prática como “de cooptação” e, hoje, com Bolsonaro, de “colisão”. Isso termina mal, e nada mudou depois da Lava-Jato, com partidos à venda e maiorias alugadas.
Se estas despontarem, a década nascente poderá ser de reconstrução da ruína pandêmica e de preparação para as mudanças tectônicas do clima, das tecnologias, demográficas e outras que mal vislumbramos.
Como se faz? Como países emergentes estão fazendo, priorizando o gasto público e privado em infraestrutura física e humana, tendo a inovação tecnológica como pivô. E farão os países ricos na corrida contra a China, que disparou, e para aplacar a insatisfação social. Em todos esses movimentos, o Estado com governança inteligente, em aliança ao capital privado, é o agente das transformações que aqui já estão há 40 anos atrasadas. Ou mudamos ou sei lá o que será.
Saio de férias até o dia 10. Saúde, mantenha a esperança e se cuide. Encerro com Belchior: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”. Nossas expectativas têm de continuar muito vivas!
Por ora, não há tais condições, mas há articulações discretas para que apareçam até 2022. Sem tal expectativa, o que está em curso há anos deverá acentuar-se: a migração em massa de empresários de todo porte, repetindo êxodo já visto na Colômbia no auge das guerrilhas, na Argentina, depois do colapso do peso fixo, na Venezuela, quando a elite deixou o que tinha para trás e foi cuidar da vida em Miami.
Uma vez consumado o êxodo, já intenso entre jovens que tentam ou bolsas de estudos ou empregos nos EUA, em Portugal, o normal é que nunca mais voltem, significando perda irreparável de talentos.
Embora rara, a combinação entre lideranças e governantes de visão é o denominador comum nas nações bem-sucedidas. Para imaginá-la no Brasil, é preciso limpar a cabeça de vícios, como o fetiche em que se tornou o ajuste das contas públicas. Ele trava o desenvolvimento desde a debacle da ditadura nos anos 1980 e, levado ao extremo, desfibrou o investimento e o dinamismo econômico e hoje inviabiliza a operação do Estado nacional.
Também se deve pensar o futuro imediato excluindo governantes da vez e seus opostos, devido a outro vício enraizado – a ênfase em resultados curto-prazistas, em que tudo se faz visando à reeleição do governo de turno ou a continuidade de seu grupo político.
A dura verdade é que estamos há muito tempo pulando de palanque em palanque sem mudança substantiva, enquanto o mundo segue em frente. Na “década perdida”, como se apelidou o período de 1981 a 1990, o PIB, vulgo economia, teve expansão média anual de 1,6%.
Nessa década que se vai, de 2011 a 2020, o crescimento médio anual foi de irrisório 0,2%, assumindo-se a retração do PIB este ano de 4,4%, cenário do Banco Central. Que suba 4% em 2021 e ainda estará longe do ponto de partida antes da pandemia. A renda per capita só lá para 2030 voltará ao nível de 2014. É isso que queremos? E assim já seria sem pandemia, ao contrário do que afirma o ministro Paulo Guedes. Parece síndrome do país bichado.
Além de pandemia e chiliques
Desenvolvimento é obra perene a ser mantida por quem governe. Muda-se o governo, não a marcha civilizatória – nem liberal darwinista, como hoje, nem estatizante, como no período militar. A rigor, desde os planos nacionais de desenvolvimento dos governos militares, não há mais planejamento de longo prazo. A macroeconomia passou a ser ordenada priorizando a solvência financeira do Estado, um risco em boa parte mitigado depois de 2003, com a acumulação de reservas de divisas em nível muito acima da dívida soberana.País endividado na própria moeda não quebra, como tem afirmado o economista André Lara Resende, um dos principais mentores do Plano Real. Vai à bancarrota quando faltam dólares, vendo-se obrigado a gerar caixa na marra para transferir renda aos credores externos.
Essa é a discussão que começa a se formar à margem da pandemia da COVID-19 e dos chiliques de um presidente sem rumo, assistido por uma tecnocracia empenhada em trancafiar e não em reformar o Estado.
Coalizão, colisão e cooptação
Nossos liberais de cartilha acreditam, uns poucos de boa-fé, que o Estado é problema, não solução para a falta de crescimento à larga, que é o jeito de criar empregos para não se ter de atenuar o drama social com bolsas que perpetuam a pobreza. Sem expansão da renda, pode-se abolir o gasto público que o crescimento será quimera. Ele já é medíocre. Sem coesão empresarial e política, será só devaneio.O que falta não é uma reforma administrativa concebida como se o país estivesse à beira do colapso financeiro. O que importa rever é a governança do setor público para reaver hierarquias corrompidas por excessos de autonomia e permitir ao governo governar. E não só.
A maior das subversões, legado dos tempos autoritários, é supor o Congresso como puxadinho do Executivo e achar normal o presidente da República se intrometer na escolha dos chefes das Casas legislativas. Na democracia representativa, o Parlamento tem a palavra final, como orienta a Constituição dos EUA, primeira do regime republicano com divisão tripartite dos poderes, no mundo.
Aqui, desde a redemocratização, prevalece o tal “presidencialismo de coalizão”, operado na prática como “de cooptação” e, hoje, com Bolsonaro, de “colisão”. Isso termina mal, e nada mudou depois da Lava-Jato, com partidos à venda e maiorias alugadas.
A vez do Estado inteligente
Do governante deveria cuidar uma maioria esclarecida de eleitores, normalmente antecedida por movimentos capazes de superar os blocos minoritários, mas ruidosos, de conservadores revisionistas, como o trumpismo, vencido nos EUA com a derrota de Donald Trump para Joe Biden, e o bolsonarismo, ainda sem opositor evidente, embora forças inquietas com o risco de outra década perdida comecem a se formar.Se estas despontarem, a década nascente poderá ser de reconstrução da ruína pandêmica e de preparação para as mudanças tectônicas do clima, das tecnologias, demográficas e outras que mal vislumbramos.
Como se faz? Como países emergentes estão fazendo, priorizando o gasto público e privado em infraestrutura física e humana, tendo a inovação tecnológica como pivô. E farão os países ricos na corrida contra a China, que disparou, e para aplacar a insatisfação social. Em todos esses movimentos, o Estado com governança inteligente, em aliança ao capital privado, é o agente das transformações que aqui já estão há 40 anos atrasadas. Ou mudamos ou sei lá o que será.
Saio de férias até o dia 10. Saúde, mantenha a esperança e se cuide. Encerro com Belchior: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”. Nossas expectativas têm de continuar muito vivas!