O Brasil não está bem. Sabemos pelos números de mortos e de novos casos da pandemia, que avança pela inépcia dos governantes. Sabemos pelo descaso com que foi tratada a compra de vacinas, pela falta de oxigênio em hospitais no Amazonas e Pará.
Sabemos pelos tratantes que furam a fila para se vacinar com as poucas doses distribuídas – tão poucas que parecem amostra grátis para engabelar a população.
Sabemos pela cooptação de deputados e senadores à base de ameaças e com a distribuição de dinheiros públicos e promessas de cargos no governo para que votem nos candidatos governistas à direção do Câmara e do Senado. Um Congresso vassalo de um presidente sem noção será outro escândalo tal como o do petrolão. Não aprenderam nada...
Sabemos de tudo isso e nada fizemos nem fazemos nada.
Sabemos, sobretudo, que a produção econômica do país, vulgo PIB ou produto interno bruto, cresce há 40 anos abaixo do necessário para criar empregos formais compatíveis com a demanda demográfica, gerar resultados que aninem o empresariado a investir, especialmente na contínua renovação das operações produtivas, e sustentar com a arrecadação de impostos os serviços públicos e o custo da vasta malha dos governos federal, estaduais e municipais.
A população cresceu 75% nesses 40 anos, a força de trabalho urbana foi de 30 milhões para 106 milhões antes da pandemia, mas o emprego formal nunca passou de 36 milhões de carteiras assinadas – e está hoje abaixo de 30. Por isso, o governo se espantou com os 67 milhões de informais que se habilitaram a receber o auxílio emergencial – chamados de “empreendedores” pelos nossos liberais darwinistas.
Tudo se passa aqui como se o futuro tivesse ficado para trás e se tornado obsoleto. Essa é a verdadeira discussão a ser feita, e não com o presidente falando que “o país está quebrado”, o que é falso. Nem com economistas falando em ameaça da inflação, para pressionar o Banco Central a subir a Selic apesar da fragilidade da economia.
Falam também em “abismo fiscal”, quando o abismo que nos contempla é o social devido à carência de crescimento parrudo – acima de 3% a 4% ao ano, todos os anos. O sucesso do agronegócio não basta, serve para gerar dólares e evitar a insolvência externa do país, mas cria poucos empregos e recolhe quase nada de impostos. Quem fala disso?
Sem crescer não há solução
A sucessão das mesas diretoras da Câmara e do Senado divide todas as atenções, quando a miséria intelectual que nos tirou da rota do desenvolvimento há 40 anos é que deveria ser o foco. Grande parte da desgraceira da pandemia descontrolada se deve à patetice de políticos e governantes elevada ao nível de ideologia dominante.
O país precisa de crescimento econômico gerador de empregos, além de acompanhado de processos de produção complexos, que é onde está o valor econômico nos tempos atuais. Um país pequeno pode, talvez, prescindir de tecnologia. Um país com 212 milhões de habitantes e dimensão continental não se pode permitir a mediocridade.
O ataque à visão tacanha que nos governa desde o fim dos planos nacionais de desenvolvimento passa pela educação, não a canônica e convencional, mas a educação continuada, baseada em cursos técnicos e profissionalizantes, que fundamentam o ensino na Alemanha, no Japão, na China, Coreia do Sul, países bem-sucedidos na formação do desenvolvimento com ascensão social.
O avanço do Estado paralelo
As mazelas do Brasil são muitas, estão em toda parte, sobretudo no sentimento ruim de desalento, que corrói por dentro a coesão e leva à promoção do Estado paralelo, dirigido por milícias e traficantes cada vez mais infiltradas em partidos e na gestão pública.
México e Colômbia, democracias vistosas ao olhar externo, mostram o que implica décadas de gestão pública de costas para o interesse da sociedade em geral. O crime organizado está institucionalizado. Os sinais desse vírus estão na juventude: a que pode vai embora; a que fica se revolta politicamente, perde-se no crime ou se aliena.
O que os candidatos a presidir a Câmara e o Senado e seus aliados propõem para tirar o país da pasmaceira? Falar de reformas como a tributária ou a administrativa é pouco. Embora importantes, nenhuma delas fará a economia pegar no tranco, elevará a educação, como não bastaram a trabalhista e a previdenciária. Precisamos mais de plano macroeconômico inovador e de outra governança do setor público, sem os excessos da burocracia, que de reformas meramente fiscalistas.
Inspiração no plano de Biden
Ainda que noutro nível de realidade econômica e social, os EUA com Joe Biden vão passar por um processo assemelhado ao que se impõe ao Brasil – a busca de crescimento movido a tecnologias de fronteira, para não se abastardar à China, e promoção do emprego e da renda.
Mudanças da regulação dos negócios, para induzir as corporações a aplicar o seu caixa em investimento produtivo, estão em discussão. Na conta do Fed, as grandes empresas não financeiras estocam cerca de US$ 5 trilhões, US$ 1 trilhão a mais que no início da pandemia.
Como contraponto, entre o que se projetava para expansão do PIB do Brasil no início de 2014 e o realizado, incluindo a projeção para 2021, nas contas do economista Fernando Montero, implica uma perda de 22,5% de produto em oito anos. É o equivalente a uma Argentina riscada do mapa econômico do Brasil, cerca de US$ 500 bilhões. É no que dá uma política econômica operada na retranca.
Este é o contexto da entrada em cena de pedidos de impeachment do presidente formalmente motivados pela repulsa à atuação do governo no combate à pandemia e seu negativismo sobre as vacinas. O pano de fundo é mais amplo: sua incapacidade de entender as prioridades que importam e de montar uma equipe ministerial de primeira linha.
O problema do teto de gastos, que executado à vera este ano tem o risco de levar ao shutdown de áreas críticas do governo, está posto e não se sabe como será desatado, sobretudo pelo viés de Bolsonaro contrário a apertar o gasto com a elite da burocracia. O que lhe dá alento é a conivência dos que lhe apoiam no Congresso, tão ou mais responsáveis que ele pela situação absurda que vivemos.