Amanhã, Câmara e Senado estarão com presidentes novos e já se sabe quem são os derrotados. Continua atual um dos clássicos das “reflexões” de Dilma Rousseff: “Não acho que quem ganhar, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”.
Já perdeu, a propósito, pois, em meio ao esgotamento da política econômica que há 40 anos empacou o crescimento a gosto, tornando mais aguda a situação social agravada pela pandemia, não se ouviu de nenhum dos concorrentes à direção do Legislativo nem uma ideia tosca para destravar o desenvolvimento que se perdeu na poeira.
Em compensação, o presidente Jair Bolsonaro fez o que não poderia nem deveria para promover seus candidatos, acuando apoiadores dos nomes que não lhe apetecem e liberando pagamento de emendas a mais de uma centena de parlamentares, além de prometer ministérios para abrigar seus novos apoiadores – uma gente faminta por sinecuras.
Na verdade, velhos camaradas do tempo em que militava em partidos do tal centrão, os mesmos que atraiu de volta, até os que tentavam se mostrar sofisticados para se diferenciar do pancadão extremista de Bolsonaro. Voltaram a ser os partidos de bocões e boquinhas.
No fim, o movimento que nem com sessões de exorcismo poderá chamar para si o epíteto de reformista tem lá o seu mérito. Desfaz o mito do presidente antissistema, alavancado pelo apoio obsequioso do ex-juiz Sérgio Moro, ao levar a então apreciada franquia da Lava-Jato para o governo como ministro da Justiça. Moro saiu chamuscado.
Bolsonaro tem dessas coisas. Veja o que sua reviravolta fez com um de seus mais resolutos apoiadores, o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Em julho de 2018, em evento do PSL, ex-partido de Bolsonaro, o general cantarolou: “Se gritar pega centrão, não fica um meu irmão”, trocando a palavra “ladrão” da letra original do samba cantado por Benedito Bezerra.
Pois é... Dizer o quê? O nome de Bolsonaro à direção da Câmara é o deputado Arthur Lira, do PP, partido no qual militou durante anos e é um dos mais fortes do centrão. No Senado, ele foi convencido pelo presidente vincendo, Davi Alcolumbre, a adotar o senador Rodrigo Pacheco, ambos do DEM, o mesmo partido de quem Bolsonaro tomou por desafeto – o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que lançou Baleia Rossi, do MDB, para disputar sua sucessão. Dem é outro partido com as vísceras expostas ao eleitor pelo gênio deletério de Bolsonaro.
Feijoada com espaguete
O espetáculo nada dignificante de parlamentares mendigando verbas e cargos ao governante da vez tem sequelas históricas. A mais comum do concubinato entre o presidente da República e direções do Congresso é que nunca termina bem para eles e para o país.
Foi assim que começaram mensalão, petrolão, o escândalo dos “anões do orçamento”, a eleição do deputado que só queria “a diretoria que fura poço e descobre petróleo”. Foi por coisas assim que se tornou compulsória a liberação pelo Tesouro Nacional do dinheiro das tais “emendas parlamentares”. Mas o governante vai lá e arruma um jeito, a pretexto da responsabilidade fiscal, de trancar tais verbas a fim de fazer o “dá lá toma cá” e aliciar políticos disponíveis.
Bolsonaro pôs um de seus generais de gabinete, Luiz Eduardo Ramos, como tesoureiro da súcia da boquinha e fez bolsonaristas quem já foi fernandista, lulista, dilmista, essa turma que mistura feijoada com espaguete à bolonhesa no mesmo prato da ideologia com preço.Tarimbado político, Tancredo Neves costumava dizer que “esperteza, quando é muita, vira bicho e come o dono”.
Estagnação é o bom cenário
Reformar a governança do Estado é mais urgente que ajuste de gasto pontual, como tem sido. No máximo, congela por um tempo curto. A burocracia das áreas sensíveis tem recursos dissuasórios para barrar propostas que lhe firam os interesses.
A experiência diz que só se mudam usos e costumes do setor público no início do governo, não no meio, ainda mais com o tamanho do telhado de vidro dos líderes do Executivo e do Congresso. É preciso ser muito alienado para crer nesses projetos. Então, o que será?
Nada diferente do que já vinha sendo antes da pandemia. Estagnação é hoje um bom cenário, dependente da competência do programa de imunização, da veneta de Bolsonaro e da tolerância social. Os mais pragmáticos, incluindo aliados de ocasião de Bolsonaro, já fazem cálculos sobre sua sucessão sem que ele faça parte da equação.