Dos dois grandes dramas que mais afligem o país, um é bem visível – a falta de vacina em quantidade necessária, associada a um plano crível de vacinação –, enquanto o outro é menos percebido – a falta de crescimento econômico com inclusão social.
A economia envelhece desde os anos 1980 e a população aumentou, com mais de dois terços entre o limiar da pobreza e a miséria, surgindo o paradoxo de haver mais gente procurando emprego do que empresas conseguindo criá-los.
A economia envelhece desde os anos 1980 e a população aumentou, com mais de dois terços entre o limiar da pobreza e a miséria, surgindo o paradoxo de haver mais gente procurando emprego do que empresas conseguindo criá-los.
De todos os problemas mais urgentes, o enfrentamento da pandemia é o que seria mais simples, se o governo fosse menos complicado, para sermos gentis. Bastaria o Ministério da Saúde aplicar o receituário dos programas anuais bem-sucedidos de vacinação em massa do SUS.
De 2010 a 2020, o SUS vacinou, todos os anos, 100 milhões de brasileiros em média, chegando a 156,3 milhões durante o surto de gripe, em 2013. Nunca se falou de dificuldade de logística para isso.
De 2010 a 2020, o SUS vacinou, todos os anos, 100 milhões de brasileiros em média, chegando a 156,3 milhões durante o surto de gripe, em 2013. Nunca se falou de dificuldade de logística para isso.
Se de logística o SUS é campeão, dispensando os préstimos do dito especialista que Jair Bolsonaro foi buscar no Exército – o general da ativa Eduardo Pazuello –, a questão volta ao colo do presidente.
Ele desdenhou a oferta de vacinas do Butantan à Pfizer, como está documentado, e, ao perceber que só desajuizados caíam no conto da cloroquina, restou-lhe liberar a compra da “vachina”, como chamou a CoronaVac, e pôr pilha na Fiocruz, a contratante do imunizante da farmacêutica AstraZeneca com a Universidade de Oxford.
Ainda há percalços só parcialmente superados, já que acompanhou o ex-presidente Donald Trump nas hostilidades à China, certamente por ignorar que o insumo básico das vacinas do Butantan e da Fiocruz vem de lá. A diplomacia chinesa age conforme a técnica das artes marciais. Ela desembaraçou a exportação do insumo depois de ser “tranquilizada” quanto à inexistência de veto à Huawei como fornecedora de equipamentos para as redes 5G.
Mais de 236 mil mortes depois, e contando, e milhões de vítimas da COVID-19 curadas, muitos com sequelas brandas e graves, o país tende à imunidade coletiva graças às vacinas. Quanto antes, mais rápida virá a normalidade econômica. Mas o que se entende por normalidade?
A economia cresce abaixo do ritmo de expansão global há 40 anos, o que é anormal, e nem assim os governantes discutem alternativas à política econômica dominante da estagnação. É outro tipo de surto.
A ideologia dos traders
Desde a reforma monetária de 1994, seguida de aumentos de impostos e privatizações, tornaram-se malditas a ideia dos planos nacionais de desenvolvimento, do Estado como catalisador de investimentos, mais privados que públicos, e política industrial – entendida como geradora de corrupção e ineficiências alocativas de capital pela história de fracasso dos tais “campeões nacionais” e pelos ilícitos apurados pela operação Lava-Jato na Petrobras.
Cada um desses instrumentos não foi criado aqui, todos fizeram e fazem parte dos programas de desenvolvimento, sobretudo industrial e tecnológico, de países solidamente democráticos, como a Alemanha, a Suíça, o Japão, a Coreia do Sul e mesmo os EUA, onde estatal é coisa rara, mas o grosso do funding para ciência e tecnologia é público.
O que cabe discutir é o motivo de aqui terem fracassado. Coalizões políticas, como a que se formou no Congresso graças ao interesse eleitoral de Bolsonaro, e o secular concubinato entre grupos privados, partidos e governantes explicam mais do que a tese ou ideologia neoliberal difundida pelos traders da dívida pública.
Sem inovação, sem dinamismo
É da perda de dinamismo da economia que deriva a transformação da indústria de manufaturas brasileira, especialmente a estrangeira, de centro de desenvolvimento e produção para linhas de montagem.
O resumo é que a inovação resolve problemas, e problema é o que há de mais abundante no país. Mas... Sim, não há inovação tal como se define a aplicação prática sob a forma de produtos e serviços dos avanços tecnológicos. Tipo internet e GPS, custeados pela agência de desenvolvimento tecnológico militar do Pentágono, a Darpa.
Consumir tecnologia não faz uma economia autônoma e pujante, o que chocou os EUA, ao recorrer a empresas de equipamentos de proteção hospitalar e descobrirem que se abasteciam na China, assim como os fabricantes de insumos farmacêuticos e tudo o mais que lhes importa enquanto potência militar, de componentes eletrônicos a químicos usados em mísseis, segundo estudo do Pentágono enviado ao Congresso americano no mês passado. Aqui também foi a correria que se sabe na procura por equipamentos de proteção e ventiladores para UTIs.
A normalidade do anormal
Agora, vamos ao que se lê e se ouve do noticiário. “Normalidade” é o Banco Central subir juro, apesar de a economia seguir sem fôlego. A retração do comércio e serviços em dezembro surpreendeu os tais “especialistas”, que já pregavam contra a volta limitada do auxílio emergencial. Ele virá com aval dos líderes do Centrão, que passaram a mandar no Congresso, a despeito de receios com as contas públicas e a inflação do ministro Paulo Guedes.
Contra uma situação de desorganização social não há espaço para os tementes do mercado, que já se apressam a dizer que R$ 250 a R$ 300 por três a quatro meses e uns 30 milhões de atendidos não fará tão mal assim à situação fiscal, que está há 14 anos deficitária.
Então, vamos ao que não se falou nem se fala. Déficits acumulados por 14 anos inflamam o estoque da dívida do Tesouro Nacional. Não é saudável, mas não pelas razões alegadas. Gasto acima da arrecadação tributária é passível de crítica se feito para fins outros, e isso é o que tem sido, que o investimento produtivo e o amparo social.