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Estado de Minas BRASIL S/A

A incapacidade por trás da retórica tóxica do presidente

Bolsonaro finge demência depois de falas golpistas e vai encerrando seu governo inepto e sem rumo


12/09/2021 04:00 - atualizado 12/09/2021 07:20

O presidente Bolsonaro, diferentemente de Trump, não dispõe de partido forte
O presidente Bolsonaro, diferentemente de Trump, não dispõe de partido forte (foto: Marcos Correia/PR- 14/8/21)


Quem quiser falar sério sobre o governo Bolsonaro, suas chances de reeleição, a capacidade de executar um programa de desenvolvimento, exercer liderança política por simpatia ou identidade programática, deve assumir que tais condições jamais existiram.

Havia mais desejo de transformação pelos que o elegeram que apoio majoritário à sua agenda conservadora armamentista e de costumes. Ou a liberal, que tem sido mais antissocial, com viés fiscalista na economia e iliberal na política, que pró-livre iniciativa.

Populistas como Donald Trump, que Bolsonaro admira e copia, são farsantes, deletérios e incapazes de pôr foco em algo que exija trabalho. Trump jurou fazer a América grande outra vez, conforme o acrônimo MAGA de sua campanha, e saiu com desemprego baixíssimo, é fato, mas sem aumento da renda familiar, com investimento líquido negativo, acossado pela China e sem nada vistoso para apresentar.

Ao fim, recorreu ao ressentimento e rancor da classe média branca empobrecida, cujos radicais foram a bucha de canhão na invasão do Capitólio, crentes de que a eleição de Joe Biden fora fraudada. As semelhanças com os atos recorrentes de Bolsonaro são flagrantes.

Se lá a fórmula não funcionou, embora tenha dado a Trump o domínio do Partido Republicado, ele que já fora do Partido Democrata, além de atrair sua ala religiosa mais retrógrada, apesar do histórico de devassidão moral, aqui a chance de sucesso é menor. Ainda que ambos tenham traços semelhantes, Bolsonaro não dispõe de partido forte e os evangélicos que o apoiam não têm base empresarial como nos EUA.

O resumo é que o modelo trumpista carece de condições essenciais para a ascensão da direita radical no Brasil – classe média branca dominante em decadência e racismo estrutural enraizado. Aqui, a pobreza é majoritária, a classe média estagnou desde 2010, a produção industrial perde dinamismo há 40 anos e, sem ela, o serviço urbano não evolui nem gera empregos de qualidade.

O neoliberalismo abraçado pela política econômica de Bolsonaro não tem como se sustentar politicamente sem programas social-democratas que distinguiram os governos FHC e com mais ênfase os dois de Lula. Sem enfrentarmos esta questão, resta o caos que vimos na semana passada.

O mérito de Bolsonaro

Como já destacado neste espaço, o grande mérito de Bolsonaro foi o de trazer à luz do dia os segmentos da sociedade que se identificam com programas autoritários, encorajar grupos econômicos retrógrados a se exporem e revelar a contradição do liberalismo nacional.

No primeiro caso, trata-se de falanges de extrema-direita que, na verdade, nunca se definiram como tal, nem na ditadura de 1964-1985, ocultando-se sob a marquise do conservadorismo e do liberalismo. Ou ambos, como muitos preferem: conservador nos costumes e liberal na economia. Estima-se que formem uns 12% a 15% do eleitorado, minoria portanto, embora seus líderes falem como se representassem o povo.

O segundo segmento está em todas as atividades, e em maior escala entre produtores de grãos e pecuaristas. A China é o maior mercado, embora se liguem aos que nos EUA veem o governo de Xi Jinping como ameaça geopolítica e cultural. Os investigadores da PGR e da PF que atuam no inquérito das fake news conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, apuram a “coincidência” de os caminhões levados ao ato do dia 7 em Brasília serem de frotistas do agronegócio.

Economia em depressão

Tais estranhezas se fundem com as falas de um presidente que no dia 7 chamou o ministro Moraes de “canalha”, disse que deixaria de cumprir sentenças judiciais, mobilizou supostos caminhoneiros para intimidar o STF e o Congresso, e dois dias depois elogiou a China, ao interagir com Xi Jinping na cúpula virtual do BRICS, e recorreu ao ex-presidente Michel Temer para tentar uma conciliação.

A retórica tóxica diária de Bolsonaro tem servido para encobrir a sua incapacidade à frente do governo, distraindo-nos sobre o que é prioritário e não acontece. Fala-se, com preocupação, da volta da inflação (quase 10% em 12 meses), do desemprego (14,1% da força de trabalho, que encolheu, e 29,5% na faixa de 18 a 24 anos), da multidão de trabalhadores informais sem renda. Só que é muito mais grave, estrutural, e não se deve apenas às sequelas da pandemia.

A economia está, de fato, em depressão desde a recessão do biênio 2015-16. Mesmo que avance algo mais que 5%, o tal “crescimento em V” de que tanto fala o ministro Paulo Guedes depois da queda de 4,1% no ano passado, continuará abaixo do nível máximo cravado em 2014.

A métrica é a do PIB em valores de 1995, índice do IBGE que parte da base 100 naquele ano. No trimestre passado, tal índice estava em 171,5 pontos, que se compara com o nível máximo de 177,1 registrado no 1º trimestre de 2014. Sete anos de economia estagnada significam menos empresas em atividade, produção eliminada, menos competição, portanto, mais inflação, menos empregos de qualidade etc.

A desilusão empresarial

A economia potencial brasileira encolhe conforme a indústria vem se retraindo a partir de 1980, quando os setores mais tecnológicos abandonam o Brasil como plataforma de desenvolvimento e exportação.

Ao mesmo tempo, a agropecuária se tornou mais produtiva, graças à Embrapa como centro tecnológico, e ganhou escala depois do primeiro boom das commodities a partir de 2003, impulsionada pela China.

A balança comercial se torna estruturalmente superavitária no lado das commodities, incluindo minérios, e deficitária na indústria, ao tempo em que partes tecnológicas importadas passam a preponderar no valor agregado da manufatura (eletroeletrônicos em geral, celular, notebooks, carros, máquinas operatrizes etc.).

Tal evolução exorcizou as crises cambiais – causa das megacrises de nosso passado. Na contramão, os governantes relegaram a nota de rodapé o que implica agregação tecnológica – ou seja, tudo. É como a tal “maldição do petróleo”, que cria países ricos na superfície e miseráveis em suas entranhas. Como os setores anacrônicos que seguem Bolsonaro gostariam de fazer: murar as periferias de cidades, como Rio e São Paulo, repetindo o que Trump fez na fronteira com México.

Nada vai mudar enquanto os deputados só tiverem olhos para a grana do “orçamento secreto” (franqueado por Bolsonaro para aliciar apoio no Congresso) e do fundo eleitoral, acharem-se o máximo endereçando reformas de traders e fingirem que está ok. Essa gente já não ilude o empresariado moderno, inclusive do agro, e as eleições estão aí.

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