Para efeitos práticos, 2022 terá 90 dias, contados a partir do dia seguinte às eleições gerais de 2 de outubro. Até lá, nada relevante deverá ser proposto ou aprovado pelo governo e pelo Congresso. A aprovação no dia 21 da LOA, a lei do orçamento federal de gastos e receitas para 2022, marcou o início do recesso parlamentar até 1º de fevereiro. Depois, tudo será pautado pelas campanhas eleitorais, como demonstra o teor eleitoreiro do orçamento capenga aprovado.
Melhor que seja assim, um parlamento ausente, para reduzir o risco de que decisões mal pensadas compliquem o desastre já semeado. Não se sabe o que sairá das urnas. Sabe-se, porém, que será muito curto o prazo para os novos governantes reverem as temeridades aprovadas nos últimos meses e recomporem a administração pública desmontada desde 2019 na saúde, na educação, no planejamento que jamais houve, no controle ambiental, e acharem o caminho para o desenvolvimento.
A prioridade do programa do novo governo e de sua base de apoio no Congresso, ou vice-versa, se mantido o semiparlamentarismo vigente (e essa é uma das definições necessárias, talvez a principal), será consertar a razia legada. Trata-se de ação mais de bastidor, já que o marketing eleitoral não contempla discussões substantivas.
Um semestre, se tanto, é o prazo para as definições e decisões – e encaminhando o que der nos 90 dias pós-eleições. Não haverá margem para experimentos: a década será de disrupções tecnológicas que já estão anunciadas (tipo carro elétrico, banco sem agência, ordens de pagamento em tempo real, digitalização universal de CPFs e CNPJs, a ascensão das energias limpas em detrimento dos combustíveis fósseis etc.). Conhecimento é o ativo mais valioso no presente do futuro.
Tais transformações são impulsionadas pela inteligência artificial por cujo domínio China e EUA se opõem, abrindo uma nova guerra fria que vai nos exigir a inteligência estratégica deserdada no campo da diplomacia. Reaver o “interesse nacional” é peça determinante.
Esse resumo do que estará em jogo nas eleições parece assustador, considerando-se a indigência intelectual das elites políticas, mas também insinua a oportunidade única de expiarmos as causas de nosso atraso. Sem introspecção, uma catarse, continuaremos o autoengano.
Sem tempo para distrações
Se perdermos tempo com distrações e polêmicas, adiando decisões, os reacionários vão reorganizar-se para travar mudanças que firam seus privilégios. Não falta o que corrigir, reformar e reinventar.
Nove anos de orçamento empilhando déficits primários decorrentes de gastos correntes já firmaram um retrocesso severo na indústria e serviços, as principais fontes de dinamismo do produto interno do país (leia-se: PIB), portanto, do potencial de empregos e de renda compatíveis com a autonomia das famílias, sem exigir expandir o que está exaurido, entre carga tributária e emissão de dívida para bancá-lo – o Auxílio Brasil, codinome bolsonarista para o eficiente Bolsa Família, e outros programas sociais.
Parte da fragilidade orçamentária vem do crescimento estagnado, de 1% ao ano desde a recessão de 2015-2016. Esse obstáculo é circular. O Estado disfuncional barra os investimentos privados e públicos, sem os quais a economia não cresce quanto deveria, murcha e envelhece.
O investimento público na LOA de 2022 será, por exemplo, o menor da história – R$ 44 bilhões, menos de 0,5% do PIB. Não repõe sequer a depreciação dos ativos. Deveria ser, por baixo, de 2,3% do PIB, na conta da Abdib, e isso por 10 a 20 anos seguidos.
O mito da maioria política
O orçamento sinaliza PIB estagnado. Foi um dos mais marretados dos últimos anos, com beiço de precatórios, pedalada do indexador do teto de gastos e sinalização de exaustão de um sistema viciado.
Tais distorções podem ser sanadas com boa vontade. Mas como achá-la com as tais “emendas do relator”, e de fato dos chefões da Câmara e do Senado, para aliciar apoio a eles e ao presidente de turno distribuindo dinheiro público ao parlamentar sem publicidade e à margem dos indicadores sociais das regiões atendidas?
Pode ser legal, mas é ilegítima votação no Congresso por maiorias arrendadas com dinheiros sociais da população. Essa distorção será a primeira a entrar na linha de tiro dos novos governantes. Hoje, ela atende aos interesses do presidente e cupinchas, servindo para afastar o risco de seu impeachment. E amanhã atenderá a quem?
O dispositivo constitucional que congelou o total de gastos ao que fora realizado em 2016, corrigido apenas pela inflação, é outro que dificilmente será mantido, o que não significa deixar sem critérios as despesas de custeio da máquina federal. Mas não dá para manter o investimento público como variável de ajuste de desempenho fiscal.
O abre alas para o futuro
Governo e Congresso modelados pelas urnas terão a obrigação não só com promessas de curto prazo, mas com a terraplenagem do terreno em que passará a unidade do país nos termos do mundo novo em evolução.
A visão dos candidatos não deve preocupar. Caso as tenham comme il faut, só revelarão fragmentos para não serem incompreendidos. O abre-alas do futuro promissor depende de coesão social, partindo de quem mais perde, embora poucos entendam a causalidade, com o Brasil arcaico que aprisiona o desenvolvimento – o empresariado nacional.
Uma aliança entre o empresariado que se veja mais empreendedor que financista com a inteligência da burocracia pública, que é maior do que supõe o neoliberalismo tacanho do ministro contumaz em insultar o funcionalismo, e políticos bem-intencionados (que também existem) é mais relevante que coalizão de partidos para vencer eleição.
A nova direção da Fiesp, presidida pelo industrial Josué Gomes da Silva, assume em janeiro com um time de empresários, executivos e intelectuais que pensam sem travas mentais. As diretrizes iniciais contemplam a educação de base e a profissionalizante tecnológica, apoio à digitalização maciça dos negócios, à produtividade, às novas iniciativas, à emergência climática, e olhar atento ao mundo, entre outras estratégias.