Fevereiro está passando, 2 de outubro está logo ali, e ainda não sabemos o que os principais candidatos a presidente propõem para reerguer a economia na década em que as inovações tecnológicas já ameaçam empresas e modelos de negócios solidamente estabelecidos – e não há nada a fazer para conter o tsunami de disrupções.
Não há como atrasar ou negar as transformações. Temos falado neste espaço do avanço gradativo dos bancos para aplicativos de celular, condenando o serviço presencial em agências ao destino dos cheques e, mais à frente, dos cartões de plástico e do dinheiro manual.
Tão dramática quanto a transformação bancária será a da conversão do motor a combustão, seja a gasolina, álcool, diesel ou gás, para o motor alimentado por bateria elétrica. Tal revolução já aconteceu e foi assumida por todas as montadoras em suas matrizes. Não aqui. O governo está distante e o empresariado parece assombrado.
A mecânica do carro elétrico é muito mais simples que a de um veículo convencional, dispensando algo como 80% das peças hoje empregadas. Dispensará também as milhares de oficinas e os empregos anexos à medida que o novo padrão se imponha. Em quanto tempo? Aqui não se sabe. Lá fora, estima-se que não passe de duas décadas.
Tecnologia desponta e se impõe no mercado ou por lei e regulação, e assim está sendo sobretudo na Europa no caso do setor automotivo, ou por cair no gosto popular, tipo smartphone, streaming de vídeo e pagamento de contas no aplicativo, que se expandem em ondas.
Uma inovação puxa outras – celular evoluiu do telefone móvel para um computador miniaturizado mais possante que o da nave que levou o homem à Lua, viabilizando artefatos e serviços inimagináveis.
Foi assim com as empresas de entrega de comida, o Airbnb, o Uber, as redes sociais e... sim, a inteligência artificial. Ela vigia a todos e antecipa com precisão o que podemos vir a fazer, induzindo-nos a comprar às vezes irrefletidamente e até a votar num imbecil, ignorando o poder de sedução dos algoritmos.
Este novo mundo de certo modo já é velho e novas tecnologias estão à vista. Mal acabamos de licitar o padrão 5G do celular e dois grandes consórcios internacionais, reunindo governos e empresas, começam a desenvolver o 6G. É provável que quando a rede 5G estiver implantada no país a sua tecnologia já estará 100% obsoleta.
Aceitável e inaceitável
O que pensam os senhores e senhoras candidatos sobre as inovações a caminho e suas sequelas e oportunidades? O Brasil analógico não tem mais lugar, mas precisamos nos educar para aceitar a realidade.
Algum atraso é aceitável. Inaceitáveis são as sequelas caso não acompanhemos o ritmo das inovações. Sobrarão desemprego endêmico, mal-estar social crescente e economia baqueada. É o que nos ameaça.
A inclusão começa pela identidade digital, o meio mais seguro para sabermos as distinções e disparidades na sociedade, que são locais, convivendo numa mesma cidade, e regionais, apartando estados mais ou menos avançados dos que estão na rabeira da fila da riqueza.
A ignorância sobre tais disparates levou o ministro da Economia a se assustar com o tamanho da população que chamou de invisível, gente que nasce, cresce e morre à margem da sociedade visível – uma gente nem sequer encontrada pelo Bolsa Família, hoje Auxílio Brasil.
A população em idade ativa, de 15 a 64 anos, atinge 172 milhões de brasileiros, mas apenas 107 milhões estão na força de trabalho, dos quais a maioria dos 95 milhões ocupados tem emprego precário e 12,4 milhões procuram trabalho. Incluindo os 65 milhões excluídos da PEA na “geografia dos invisíveis”, entende-se por que os programas de transferência de renda não param de crescer, e a produtividade do trabalho seja tão baixa no país.
Cultura do desperdício
A inclusão digital permite conectar a multidão marginalizada com a educação que lhe foi negada no tempo apropriado, apesar da enorme rede de escolas de educação técnica espalhadas pelo país.
O ajuste fiscal necessário para eliminar os desperdícios habituais na gestão pública nos três níveis da federação também virá do poder transformador dos programas digitais. A arrecadação tributária, por exemplo, já poderia ser automatizada e não só para simplificar a sua cobrança, que passaria de declaratória pelo contribuinte para informada pelo ente arrecadador.
Ela restringe a possibilidade de sonegação. A estimativa é que a arrecadação neste sistema chegue a 45% do PIB, contra 32% atualmente, criando a possibilidade de redução unilateral de alíquotas e fim de impostos.
Ela restringe a possibilidade de sonegação. A estimativa é que a arrecadação neste sistema chegue a 45% do PIB, contra 32% atualmente, criando a possibilidade de redução unilateral de alíquotas e fim de impostos.
A reforma administrativa, proposta com o fim de reduzir gastos com a máquina pública, não para melhorar seu desempenho, muda de figura num ambiente digital. Dezenas de funções se tornam dispensáveis, as políticas de desempenho se tornam possíveis. Mas, antes, viabiliza a discussão sobre a reforma marco zero: a da governança federativa.
Este conjunto de providências dispensa medidas tomadas apenas para conter a prodigalidade de governantes e dos políticos, como teto de gastos e lei de responsabilidade fiscal. O Congresso tem de ser o responsável, o que se conseguirá com ampla transparência tornada possível pelas tecnologias de informação e processamento em rede.
Ou aprendem ou cedam a vez
Absurdo é que o grosso destas inovações se encontra disponível. A digitalização dos indivíduos só depende de ato administrativo.
Falar sério sobre moralização da política, combate à corrupção e coisas assim que florescem no discurso dos candidatos moralistas é função da tecnologia, não de leis mais duras e Lava Jatos da vida.
Um governo e Congresso inovadores não mudarão apenas a cultura de compadrio e da mercantilização da política. Deixariam explícitos que na reorganização econômica e social “precisamos do governo não de forma ocasional e intermitente, mas o tempo todo, a longo prazo, bem como em emergências”, como escreve Steve Marglin, professor de Harvard, em seu livro Raising Keynes (ou Ressuscitando Keynes).
As condições políticas para tanto são ruins, mas as econômicas são menos feias do que sugere o terrorismo fiscal dos ortodoxos. E ainda há inteligência técnica no país para formular os projetos na fronteira tecnológica. Os candidatos é que têm de ouvir mais e se atualizar. Ou dar a vez para outros mais atualizados e apoiá-los.
Falar sério sobre moralização da política, combate à corrupção e coisas assim que florescem no discurso dos candidatos moralistas é função da tecnologia, não de leis mais duras e Lava Jatos da vida.
Um governo e Congresso inovadores não mudarão apenas a cultura de compadrio e da mercantilização da política. Deixariam explícitos que na reorganização econômica e social “precisamos do governo não de forma ocasional e intermitente, mas o tempo todo, a longo prazo, bem como em emergências”, como escreve Steve Marglin, professor de Harvard, em seu livro Raising Keynes (ou Ressuscitando Keynes).
As condições políticas para tanto são ruins, mas as econômicas são menos feias do que sugere o terrorismo fiscal dos ortodoxos. E ainda há inteligência técnica no país para formular os projetos na fronteira tecnológica. Os candidatos é que têm de ouvir mais e se atualizar. Ou dar a vez para outros mais atualizados e apoiá-los.