Os movimentos do industrial Josué Gomes da Silva à frente da Fiesp têm sido uma lufada de ar fresco na sede da indústria paulista, que tempos atrás era chamada de “poderosa” e tinha virado alvo de troça de economistas neoliberais à procura de plateia. Não mais.
Josué, como gosta de ser chamado, aplicou-se, cercou-se de quem enxerga o conjunto dos problemas nacionais e chegou com vontade para enfrentar temas interditados, convidando quem queira contribuir a desimpedir obstáculos do desenvolvimento. Essa antiga aspiração nacional tornou-se maldita por economistas sem confiança no país.
Eles fizeram a cabeça de políticos, de parte da imprensa e travam tais propósitos falando de “precipício fiscal”, que o país estaria quebrado, que a dívida pública vai explodir e outras baboseiras.
Tome-se a reforma tributária, necessária desde o dia seguinte da criação, em 1965, do ICM, hoje ICMS, e, depois da Constituição de 1988, das contribuições federais, que foi o jeito de a União não partilhar um naco da receita com estados e municípios. Necessária porque, em vez de acompanhar a evolução das relações econômicas e da tecnologia, o sistema tributário foi sendo emendado, virando uma colcha de retalhos complexa, disfuncional e cara para administrar.
Nunca faltaram projetos de reformas tramitando no Congresso; o que faltou foi consenso empresarial para aprová-los, já que a carga de impostos tem distribuição desigual entre os setores e alguns terão de aceitar mudanças para que a média contributiva seja equitativa.
Josué convidou a professora Vanessa Canado – que integrou a equipe que modelou um dos projetos do IVA (a PEC 45) e coordenou para o ministro Paulo Guedes as discussões sobre modernização tributária – para buscar no empresariado o consenso em falta. Não haverá reforma alguma sem isso. O desacordo entre senadores e deputados reflete o dissenso entre setores como serviços, indústria e agronegócio.
Pacto com a Febraban
A questão dos juros é outro caroço de abacate entalado na garganta da economia. O presidente da Febraban, Isaac Sidney, almoçou esta semana na Fiesp com Josué. Ambos se comprometeram com uma agenda de diálogo permanente entre as entidades, visando contribuir para o crescimento de longo prazo e a geração de emprego e renda.
A diferença entre o custo de captação e do crédito, chamada de spread, era de 14% com a Selic a 2% e voltou a 18%. Na média dos países da OCDE, não chega a 3%. “Os juros são altos, mas não por vontade dos bancos”, diz Sidney. “Na média, mais de 80% do spread corresponde aos custos das operações de crédito, como impostos, inadimplência e a enorme dificuldade de recuperação de garantias.”
“O alto custo do dinheiro nos faz perder competitividade e desvia recursos que poderíamos usar para investir e gerar empregos”, diz Josué. O documento final será levado ao governo e ao Congresso.
Rodas de consenso
Trabalho não falta ao filho do ex-vice-presidente da República José Alencar. Ele faz jornada dupla à frente de seu grupo têxtil, Coteminas, e da Fiesp. Em fevereiro, reuniu-se com as maiores fundações privadas que apoiam a educação pública para propor um desafio já aceito: elevar em 10 anos as notas dos estudantes de São Paulo ao topo do ranking do Programa Internacional de Avaliação de Alunos, o Pisa, na América Latina. Entre 76 países avaliados, o Brasil ocupa a 60ª posição.
Ele olha com atenção especial o Sesi e Senai. O Senai vai ampliar a atuação no ensino profissionalizante e a digitalização das pequenas e médias indústrias; o Sesi, estender o treinamento de professores.
Sua disposição em mover rodas de consensos chamou a atenção da CUT e da Força Sindical, que foram a ele pedir para dar prioridade à reindustrialização e ao emprego. Esse é o objetivo de acordo com o think tank Cebri, para apoiar seu núcleo de economia liderado por André Lara Resende. A meta é chegar a um documento com indicativos para a retomada do crescimento e a inserção do Brasil no mundo.
A Fiesp também acertou com o TCU um ciclo de seminários sobre a agenda fiscal. O primeiro terá economistas da OCDE e do FMI entre os palestrantes. É o estilo Josué: negociar soluções e dar prazo para que aconteçam. Os conselhos da entidade foram renovados com este sentido e a recomendação para que sejam ativos. Quem quer faz, não procrastina nem se distrai. Tudo isso é promissor para o país.
Economia bipolar eleitoral
Poucos sabem, e quem sabe finge demência, que o Banco Central sobe a taxa Selic para reprimir a inflação, encarecendo o consumo movido a crédito, que nunca foi abundante nem barato, enquanto o governo de Jair Bolsonaro faz o oposto, anunciando medidas que visam aumentar a demanda, endividando os aposentados e confundindo a população mais carente, desorientada pelo oportunismo de políticos amorais.
O alívio é para atrair incautos no eleitorado e aplausos do naco empresarial submisso ao governante da vez, mas é temporário, acaba com a contagem dos votos, como asfalto fresco levado pela chuva.
Ética e decência não se misturam bem com a governança de boa-fé da economia em anos eleitorais em quase todas as democracias, mas o anormal é exceção, de modo que mesmo os governantes com uma pulsão autocrata, como o presidente da Turquia, Recep Erdogan, enfrentam derrotas eleitorais e as aceitam ainda que rangendo os dentes.
Aqui foi assim até tempos atrás. A preocupação com as aparências freava os impulsos eleitoreiros do poder incumbente e a legislação antifraudes eleitorais era mais ou menos obedecida. Quando não foi, o governante eleito ou reeleito herdou uma terra arrasada, com as consequências arcadas pela população. Assim tenderá a ser em 2023.
Fernando Henrique se reelegeu em 1998 escondendo que o país estava quebrado pelo regime cambial semifixo. O FMI veio em socorro, o real sofreu uma megadesvalorização, atiçando a inflação, contida com juros elevados a 45% ao ano. Dilma se reelegeu em 2014 negando a inflação, ocultada pelo congelamento da gasolina, do diesel e da eletricidade e a maquilagem das finanças públicas. Todos deixaram uma recessão cavalar como lição jamais assimilada pelo eleitor.
O empresariado da geração anterior era menos condescendente com os ministros vacilões. Iam à imprensa criticá-los, faziam manifestos e pediam sua demissão em público. Hoje, os afagam. Dizem-se liberais, que significa tratar os governantes com certa frieza, mas vivem chamando-os para adulá-los em cerimônias.
Tanto eles quanto a imprensa analisam tais medidas pela ótica do benefício eleitoral, não pela sua eficácia nos termos regimentais da política econômica. Ora! Ou inflação é a prioridade, dando-se razão ao BC, ou é o nível de atividade. Economia bipolar é desastre anunciado pelas mãos de políticos levianos.