Além do que será uma das eleições mais caras da história devido à fartura dos fundos eleitoral e partidário, dinheiro público dado aos partidos para bancar suas campanhas, o Congresso se aplica com denodo para torrar recursos – que não existem de fato, registre-se, vêm da apropriação de verbas da saúde e da educação e da emissão de dívida – a pretexto de proteger os pobres dos males da inflação.
Faria sentido se o Banco Central não estivesse elevando os juros, cujo piso já está em 13,25% ao ano, para conter a demanda. Isso é o oposto do que o presidente Jair Bolsonaro e os líderes dos partidos que lhe dão apoio sobretudo na Câmara pretendem com o expansionismo dos gastos orçamentários. Tipo a proposta de adicionar R$ 200 (mas, veja bem!, apenas até o fim do ano, portanto, no período eleitoral) ao Auxílio Brasil, codinome do Bolsa Família, de R$ 400 por mês.
Se isso não for corrupção eleitoral, a farra do boi está liberada – o vale-tudo de candidatos se alavancando com dinheiro fiscal que a rigor nem existe, tanto que o Congresso aprovou no início do ano o calote dos precatórios para custear o Auxílio Brasil. Agora, por baixo, a equipe do ministro Paulo Guedes estima que os “vales” eleitorais vão consumir mais R$ 45 / R$ 50 bilhões em 12 meses.
Não se faz política social para durar um semestre. É dar comida no almoço e negar no jantar. Em vez de rasgar dinheiro, apesar da mais que evidente aceleração inflacionária, como diz o economista André Roncaglia, pode-se proteger melhor os pobres doando o dinheiro com fins eleitoreiros para cozinhas comunitárias – ou “fazer um DARF e doar ao Tesouro Nacional”, ele ironiza.
Não é a eleição ou reeleição de candidatos que deve mobilizar as energias dos governantes. É a responsabilidade fiscal, que o atual ministro da Economia diz ser zeloso guardião embora tenha validado os arbítrios orçamentários. Seja quem for, o futuro governante vai encontrar terra arrasada com o centrão agindo como touro maluquete.
E tudo isso por quê? Porque candidatos com o poder da caneta estão no modo desespero, ameaçados, segundo as pesquisas eleitorais, de não se reeleger. Para alguns, significa perder o remanso do foro privilegiado, a camaradagem das cortes supremas e da procuradoria.
Pacto federativo trincado
O estrago mais profundo e de difícil reversão, se o STF não sustar pela flagrante inconstitucionalidade da matéria, está nas medidas que ferem a autonomia federativa de estados e municípios, ao impor teto sobre o ICMS cobrado nos combustíveis, eletricidade e tarifas de telecomunicações. Os entes regionais devem chegar em janeiro com falta de R$ 115 bilhões, nas contas da Fazenda paulista, destinados à saúde e educação, além de outras despesas obrigatórias.
Não fossem o ano eleitoral e o descompromisso com as regras de boa prática fiscal e Bolsonaro, Ciro Nogueira, seu chefe da Casa Civil, e Arthur Lira, presidente da Câmara, dificilmente teriam maioria no Congresso para aprovar tais disparates. Nem manejando os cordéis do tal “orçamento secreto”, os cerca de R$ 16,5 bilhões distribuídos a deputados e senadores dóceis sob a forma de emendas parlamentares.
É verdade que a inflação está em brasa em todo o mundo, não apenas aqui, em grande parte devido ao choque do petróleo. Mas não se deve pôr toda a culpa no boicote à Rússia por invadir a Ucrânia.
Se houvesse seriedade na discussão, Bolsonaro não teria culpado os governadores, como sempre faz quando apanhado no pulo – finge que o problema não é com ele e corre para achar culpados. Vamos entender.
Crise moldada por “jênios”
A Petrobras, vilã da vez, tem parte da culpa, ao seguir à risca a instrução de seu sócio majoritário – o governo federal, do qual o atual responsável é Bolsonaro – para repassar aos preços os custos do mercado internacional de petróleo. Em março de 2020, no início da pandemia, caiu a US$ 26 o barril. Na sexta, estava a US$ 113.
Só que o país é autossuficiente de petróleo. Não tem é capacidade de refiná-lo conforme a necessidade do consumo, tendo que importar gasolina, diesel, querosene etc. É aí que está o imbróglio.
Se acompanhasse as discussões na Universidade de Chicago, em cuja faculdade de economia se formou, como se orgulha em dizer, Paulo Guedes saberia que há muito tempo seus pesquisadores denunciam o chamado “fundamentalismo de mercado”, originado nos anos 1980 pela desregulamentação das atividades produtivas para destravar o ímpeto empreendedor dos empresários. E o que houve?
Artigo da Booth, a escola de negócios da Universidade de Chicago, intitulado “Economistas neoliberais estão dando maus conselhos a Biden sobre inflação”, diz que as refinarias foram sendo compradas por poucas empresas desde 2020. Hal Singer, professor na Georgetown e autor do texto, diz que, “quando uma indústria é cartelizada, os fornecedores podem coordenar reduções de capacidade”. E assim foi.
A capacidade mundial de refino diminuiu três milhões de barris/dia desde 2020 e não se recompôs. A margem de refino, de US$ 10/barril de 2017 a 2021, disparou para “impressionantes”, ele diz, US$ 60 em junho. Isso se deve ao poder de formar preço das refinarias - ramo que o governo Bolsonaro mandou a Petrobras se desfazer. “Jênio”.
Tragédia dos CNPJs ilusórios
Quanto maior o desespero com os resultados eleitorais, medo do que virá depois do político ficar sem mandato, algo que a prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro veio aguçar, maior o estrago. É com isso que o ex-presidente Lula, líder em intenção de voto, tem se preocupado. Ele tem sido instado a expor o plano de seu eventual governo. Antes precisa saber o que vai encontrar.
O desmonte de áreas da gestão federal, da Funai ao BNDES, do Incra ao INSS, o aparelhamento com gente desqualificada de quase todas as autarquias, ministérios e estatais, força a retomada da governança. Tem um lado positivo, diante do desgoverno, mas adia as urgências.
Urgências como 33 milhões de carentes de tudo, os 20 milhões que sobrevivem de bico. E mais o que divulgam como sinal de força empreendedora, mas na verdade é uma tragédia: das 5,4 milhões de empresas ativas no país, apenas 20 mil têm 250 ou mais pessoas empregadas, segundo o IBGE. A maioria não emprega ninguém, 52% do total, é o “empreendedorismo por necessidade” (ou sem emprego).
As que empregam de 1 a 9 pessoas são 38%. Que esperar da economia sem empresas pujantes, inovadoras, confiantes? Espera-se o pior. Em suma, repetir a práxis que abalou até países ricos como os EUA, que estão descartando o neoliberalismo, não nos atende. Parte do fracasso do centro se deve a isso: não ver o vento da mudança.