Jair Bolsonaro estourou o orçamento, com a conivência da turma do Centrão no Congresso e o silêncio tácito dos vigilantes do mercado financeiro, para continuar com fôlego na corrida eleitoral, mas é Lula, que reabriu esta semana a temporada dos grandes comícios, numa praça em Belo Horizonte, quem se mantém à frente, e com folga.
Até 2 de outubro, os dois vão chamar a atenção até de quem detesta política, com acusações mútuas no horário eleitoral, de modo que é tempo de deixar a campanha pra lá e falar da situação da economia e do que é possível fazer para desatolar o país da estagnação.
Os números de crescimento econômico, de recuperação do emprego e do refluxo da inflação são enganadores, ao sugerir uma situação que não corresponde à tendência de longo prazo. Ela é de regressão para a indústria de manufaturas, promissora para o agronegócio e a mineração e artificial para os agregados, que formam a chamada macroeconomia, especialmente a situação das contas fiscais.
Fosse como diz o ministro da Economia, Paulo Guedes, parecendo um vendedor de carro usado e malhado, e os presidentes Bolsonaro e da Câmara, Arthur Lira, não teriam iniciado o ano dando beiço no pagamento de dívidas federais vencidas e transitadas em julgado, vulgo precatórios, a pretexto de arrumar fundos para rebatizar de Auxílio Brasil o Bolsa-Família, com bônus de R$ 400 por mês.
Como não bastou para tirar Lula do topo das pesquisas, a dupla, com o apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, fez mais do que acusaram Dilma Rousseff de ter feito, justificando com isso o seu impeachment (o que as evidências estão a indicar tinham, na verdade, o fim de inabilitar Lula da eleição de 2018 e lançar as âncoras do Estado mínimo, privatizar a preço depreciado o que resta de estatais e exaurir as políticas sociais e os programas de apoio à indústria e à pesquisa e desenvolvimento de tecnologias).
Foi golpeando a Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o teto de gastos orçamentários que arrumaram o caixa para dar R$ 200 a mais entre agosto e dezembro aos assistidos do Auxílio Brasil. E o fizeram contando com o silêncio cúmplice dos auditores durões do FMI, dos analistas de agências de risco soberano, dos economistas de sempre ouvidos pela imprensa, de empresários que pediram à Dilma benesses como a baixa forçada da eletricidade e depois a rifaram.
A nova política do Centrão
Não se trata de repisar o passado recente com fins eleitorais, até porque não há como ao PT esconder o desgoverno a seu tempo, gerando os desvios na Petrobras pelos apaniguados dos partidos que estão na base de apoio de Bolsonaro e comandam o Congresso.
A Lava-Jato destacou o PT, mas foram quadros do PL de Bolsonaro e do PP de Lira, Ciro Nogueira e Ricardo Barros, líder do governo na Câmara, os que mais devolveram os dinheiros desviados da Petrobras.
Hoje acontece o quê? A mesma coisa, pelos mesmos partidos, mas com nova metodologia. O orçamento secreto envolve nacos de verba fiscal entregues a deputados e senadores em troca de lealdade a Bolsonaro e aos caciques do Centrão sem que se saiba o nome de quem empenhou os recursos e sem inspeção dos projetos dos políticos em suas zonas eleitorais. Será secreto até quando vir a público a investigação do Tribunal de Contas da União. É esperar.
Se a burocracia do Tesouro Nacional de Dilma fez o que entrou para os anais da política como “pedaladas fiscais”, para encobrir rombos da lei orçamentária, a equipe “ultraliberal” de Bolsonaro violentou a autonomia federativa emendando a Constituição.
Ela desviou recursos do ICMS dos estados e municípios vinculados à saúde, educação e segurança pública para cortar o preço do diesel, da gasolina, da luz. E, sim, para ninguém tascar o dinheiro do tal orçamento secreto – R$ 16,5 bilhões este ano, R$ 19,5 bilhões para 2023, conforme a Lei de Diretrizes Orçamentárias já sancionada por Bolsonaro. Não se fala de um troco, fala-se de dinheiro grosso.
A destruição aplaudida
O passivo dos precatórios empurrados pra frente está projetado em R$ 200 bilhões em 2023. A receita do ICMS desviada para desinflar o preço dos combustíveis foi estimada pelo Conselho de Secretários de Fazenda dos estados, o Confaz, em R$ 80 bilhões.
Esse ônus será compensado de um jeito ou de outro, já que envolve o custeio de programas demandados pela sociedade, como a saúde e a educação, que são uma obrigação dos estados e municípios, além das polícias. Já se projeta uma enorme pressão sobre o novo Congresso.
A política econômica atual, que seria elogiada no mundo, segundo o ministro da Casa Civil, levando bolsonaristas a impulsionar Paulo Guedes nas redes sociais como candidato ao Nobel de Economia, não chegará ao próximo carnaval sem uma profunda mudança de rumo.
Será assim mesmo que Bolsonaro se reeleja, e o tema já é objeto de estudos pelos seus quadros lúcidos. Guedes se orgulha de este ser o primeiro governo em décadas a terminar sem ter aumentado a despesa pública total como proporção do PIB. Esse é só um lado da história.
O resultado se deve ao congelamento dos salários do funcionalismo federal, e há categorias sem reajuste desde 2017. Também não foram ocupadas as vagas devido às aposentadorias. Os “ancaps”, de anarco capitalistas, aplaudem, enquanto o meio ambiente é degradado pelo desmonte do Ibama e da Funai, bolsas de extensão universitária não têm reajuste desde o governo Dilma, projetos científicos carecem de orçamento, pesquisa militar não tem continuidade. É o país no ralo.
Sugar daddies de radicais
Como se sacassem que os tempos do fundamentalismo de mercado estão com os dias contados ganhe quem for a corrida presidencial, porta-vozes da ideologia neoliberal começam a se manifestar para alertar sobre os supostos riscos da volta do planejamento na estrutura do governo e de políticas ativas para impulsionar o crescimento.
Eles sugerem preocupação com as políticas de Estado, mas, de fato, movem-se pelos interesses da gestão de papéis de dívida e do fluxo dos capitais ociosos. Fazem uma falsa relação de causa e efeito do encolhimento do BNDES vis-à-vis a expansão do mercado de emissões privadas. Essa discussão é ideológica e política.
Não a política golpista de empresários flagrados pela PF num grupo de WhatsApp, e expostos pelo jornal Metrópoles defendendo golpe militar contra a eleição de Lula. Esses ‘sugar daddies’ de radicais são a indigência intelectual de uma minoria do empresariado, mas eles só interessam à polícia e à Justiça.
A política que importa é a que obsta o progresso desde a década de 1980 e nunca mais se ousou discutir. O Brasil não é para quem pensa miúdo. É para estadistas e visionários. Na política e na economia.
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