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O risco da inação: país tem potencial para ser melhor e maior

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A chinelagem de Bolsonaro, fazendo da comemoração do bicentenário da Independência escada para promover a sua reeleição, aprofundou a dissonância sobre os temas que exigem atenção do governante de hoje e o de amanhã, se estivermos interessados com o bem-estar no país.




 
Futuro significa os próximos dois a três anos, dada a velocidade dos eventos disruptivos em curso no mundo e mesmo no Brasil, tipo a migração a passos largos de operações bancárias da rede de agências físicas para aplicativos de celular e a motorização de veículos com bateria elétrica em vez do centenário motor a combustão movido a gasolina, diesel ou etanol. Imagine o impacto dessas mudanças.
 
Considere, por analogia, a migração da fotografia analógica para a digital, eliminando filmes e redes de laboratórios para revelá-los. Milhares de empregos foram perdidos, como o streaming na televisão matou as lojinhas de aluguel de filmes e colapsou a Blockbuster, a grande cadeia do ramo. É o que está em marcha em áreas decisivas.
 
Veículo elétrico não dispensa apenas gasolina, diesel e etanol. A sua mecânica é mais simples, prescinde a profusão de componentes e peças, e exatamente por isso a sua difusão irá fechar a miríade de oficinas, que é o maior empregador da cadeia automotiva. A ideia de propulsores híbridos, com um pequeno motor a etanol, só serve para retardar o domínio do novo padrão já assumido pelas montadoras.




 
Novas tecnologias às vezes custam para vingar, mas, passada a fase pioneira, ou sucumbem, como o walkman, dizimado pelo iPod, que por sua vez foi descontinuado pelos aplicativos de música inseridos no iPhone e outros celulares, ou definem uma nova categoria de bens de consumo, o caso do próprio telefone celular, hoje, com os avanços tecnológicos, um supercomputador que cabe no bolso da calça e muito mais possante que o da nave que levou o homem à Lua em 1969.
 
As maravilhas tecnológicas fascinam a todos, mas é raro nos darmos conta das sequelas, que exigem não restrições à sua propagação, já que inviáveis, mas reformas, ousadia e ações ativas para estarmos à frente do processo, aproveitando as oportunidades da transformação. Governante obtuso, nesta década de rupturas, antecipa desastres.

O alerta das montadoras

A resistência a uma estratégia nacional no setor automotivo, sob a ilusão de que o mercado resolverá sozinho, por exemplo, trará uma drástica redução da atividade no Brasil. Ford já se foi. Outras vão segui-la se faltar o que a maioria dos países com produção própria está fazendo: políticas de incentivo à renovação da frota, entre veículos comerciais e automóveis, e apoio à conversão das fábricas.




 
A falta de direção quase levou a Prefeitura de São Paulo a fechar a importação de mais de mil ônibus elétricos da China quando o país tem indústrias que poderiam atender a encomenda. Com a mediação da Fiesp e do governo do estado, a compra se deu no Brasil.
 
Por tais coisas a Mercedes, maior fabricante de ônibus e caminhões do país, anunciou esta semana a dispensa de 3,6 mil empregados, com a terceirização de parte da operação. Foi forte a divulgação de que desde 2011 a empresa alemã não remete lucros à matriz.
 
Registre-se que o setor automotivo é o mais relevante da economia em termos de impostos e empregos, mais que o agro, se incluirmos a produção de petróleo, o comércio, postos de serviços e oficinas.




Economia bem-gerida requer pragmatismo, não a ideologia libertária que quase põe de quatro o colosso industrial dos EUA e fez do Reino Unido um grande entreposto ancorado numa praça financeira volátil.

Social é pivô da política

Livre mercado dissociado do interesse nacional implica decadência econômica e a radicalização política vista nos EUA, Itália, Chile, Argentina e... sim, no Brasil. Sem o social como pivô da política, tanto faz quem está no poder: a esquerda estatizante (Venezuela) ou a direita neoliberal (Chile). Derrocada não tem ideologia.
 
O que pode evitá-la é uma estratégia econômica e política que faça a economia crescer a taxas aceleradas por meio de investimento, não só pela demanda, criando empregos e expectativa de ascensão social. Trata-se de urgência pacificadora e necessária para reempregar os demitidos pelas atividades submetidas a rupturas tecnológicas.
 
No setor bancário, a mudança é irrefreável desde que o smartphone se tornou o banco portátil de pessoas e empresas e o Banco Central lançou o PIX, serviço de pagamento instantâneo. Isso reduz o fluxo às agências, o custo do crédito e o número de bancários.




 
Em 2020, 67% das operações bancárias foram realizadas pelo celular ou internet, contra apenas 3% nas agências. Nos EUA, prevê-se o fim das agências até 2034, talvez bem antes. Cartões de crédito também tendem a desaparecer, substituídos pelo pagamento por aproximação.
 
O que fazer com as pessoas desempregadas pela tecnologia e as que chegam ao mercado de trabalho? Com mais tecnologia e uma agenda de abundância, começando por casas para todos e medicina intensiva.

Uma agenda da abundância

Uma agenda de abundância pode, rapidamente, formar uma coesão que reúna o sentimento político difuso, hoje envenenado pela retórica do ódio e do ressentimento, além da falta de perspectiva.

Ela comporta ações administrativas e estratégicas. Administrativas compreendem programas simples e de resultado imediato, como crédito para aquisição de máquinas e equipamentos, função do Finame, linha do BNDES inviabilizada pelo custo financeiro baseado num título do Tesouro de cinco anos. Se o BC sobe a Selic, sobe o custo da dívida pública e, portanto, do financiamento do BNDES. E muito mais.




 
A proposta de Ciro Gomes encampada por Lula de ampla renegociação de dívidas de pessoas e empresas tem efeito libertador, espécie de faxina de passivos que arruínam a saúde mental da economia. Difícil é supor retomada do crescimento com taxa de juro básica de 13,75% ao ano, ou 3,7% descontada a inflação, a maior taxa real entre as 31 maiores economias, das quais em 27 são fortemente negativas.
 
Ações estratégicas numa agenda da abundância tratam de inserir as empresas privadas, com suporte do governo, no jogo tecnológico com os recursos que dispomos. Os minerais usados em semicondutores e na geração de energia solar e eólica são recursos escassos no mundo e disponíveis no Brasil. Sua exploração deveria condicionar-se a quem investir para processá-los alguns degraus acima da cadeia produtiva.

Não é chavão considerar que o país tem potencial para ser melhor e maior do que tem sido para nós. Claro, sem chinelagem, demagogia e o cinismo preconceituoso e obtuso de ditas elites desnorteadas.