A duas semanas da eleição geral em primeiro turno, com resultados consolidados à luz das pesquisas mais recentes, já passa da hora o exame das questões substantivas à espera de solução para muito além dos assuntos laterais que têm ocupado as atenções, considerando-se o que está em disputa no cenário doméstico e no nível geopolítico.
O país como ator secundário do choque entre as grandes potências é um assunto dos mais urgentes, embora a maioria da, digamos, opinião esclarecida desconheça os movimentos subterrâneos que opõem China e EUA no tabuleiro global. Eles envolvem poderes agonizantes como a Rússia, emergentes como Índia, Irã e Turquia, coadjuvantes como o bloco europeu, com Alemanha e França à frente, e peões, como nós e os países latinos e africanos, regiões ricas dos insumos cobiçados por todos.
Pelo que diz a oposição ao governo Bolsonaro, em parte confirmada pelo desmonte dos órgãos de controle e proteção ambiental sob a sua orientação, o Brasil se tornou um pária internacional. É fato.
Mas a verdade é um pouco mais matizada. A orientação de extrema-direita do governo é vista com desconfiança pelos EUA de Joe Biden, pela China de Xi Jinping e pelos europeus. China, porém, é o nosso maior importador de grãos, carnes e minérios, e o maior investidor, especialmente em logística e energia. E é com EUA que a economia e nossas empresas nacionais e estrangeiras estão mais entrelaçadas.
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O risco da inação: país tem potencial para ser melhor e maiorSequelas da farraA farsa como método: ataques às urnas e a ampliação do Auxílio BrasilA voz rouca das urnasA eleição decidirá pelo progresso ou pela insensatezJubileu essencial: a economia precisa de crescimento sólido por anos a fioConfusão política em países disputados por potências, em geral por suas riquezas naturais ou posição estratégica no mapa, sem que haja um viés preferencial por nenhuma delas, tende a ser uma ocorrência enigmaticamente comum. E falo em enigma para satisfazer os céticos.
Houvesse pensamento estratégico na governança do Estado brasileiro – como havia entre o pós-guerra e o ocaso dos governos militares – e, possivelmente, tais temas estivessem mapeados e endereçados. Não só pelo que se enxerga a olho nu: a alta produtividade do agro e a relativa facilidade também a baixo custo da exploração mineral. Mas nos tornamos um país que avalia mal o seu potencial visível, ignora desenvolvimento, e não entra em acordo sobre o tamanho da pobreza.
Do funeral à oferenda
Há mais para ser valorizado. A abundância de água, por exemplo, é questão de segurança para as superpotências, sendo que EUA e China enfrentam períodos de estiagem severa, que se acentuam a cada ano, ocupando posição proeminente nas discussões sobre o clima.
No Brasil, o tema surge nas manchetes quando a estiagem diminui o volume d’água nas barragens das hidrelétricas e nos reservatórios que abastecem os moradores das grandes cidades. É mais que isso.
A agricultura produtiva é irrigada por meio de equipamentos de pivô central, com diferentes necessidades. Soja requer exposição a água dez vezes maior que a produção de milho, sendo a primeira mais necessária pela China que o segundo pela razão contrária à nossa.
É onde entra o pensamento estratégico que o tal fundamentalismo de mercado, servindo-me da expressão usada pela nova direita dos EUA, arruinou no Brasil desde a moratória da dívida externa no apagão do governo militar, em 1982, e de novo, em 1987, na redemocratização.
É quando começa o longo funeral do planejamento econômico no país e a desindustrialização como oferenda aos deuses do mercado.
Tivessem sido mantidas as duas concepções de política de Estado, o planejamento e a primazia da indústria competitiva, com as revisões e atualizações, e hoje no conflito em curso no mundo provavelmente seríamos poder ou emergente ou coadjuvante, não peões, investindo em energia e logística para escoar os insumos que o mundo demanda, não para também servir os interesses nacionais mais amplos.
O que fazer. O que evitar
O que está feito não tem volta. Mas conhecendo-se o passado quando o produto da China era menor que o nosso, sem indústria sofisticada como tínhamos, fica claro o que fazer e o que evitar.
A importância do agro deve ser acentuada, assim como dos minérios, mas conectando-os à reindustrialização movida a tecnologia, sem as quais o setor de serviços perderá o dinamismo gerador de empregos.
Tais visões requerem arte e inteligência no minueto geopolítico.
China tem 20% da população mundial mas cerca de 7% da terra arável do mundo, que além de pouca encolheu, segundo relatório de fonte de inteligência de Washington que escreve sob o pseudônimo NS Lyons. A proporção de terras adequadas ao cultivo na China baixou de 19% em 2010 para 13% em 2020, em meio à urbanização e à poluição do solo e da água. Ainda assim, produz 95% de suas necessidades de grãos.
Os 5% de que depende de grãos são uma enormidade. A China consome 120 milhões de toneladas de soja por ano, quase toda a safra dos EUA, mas importa mais de 100 milhões de toneladas, ou cerca de 62% de toda a soja comercializada no mundo. Cerca de 30% vêm dos EUA, grande parte do resto, do Brasil. Sem a soja, sua enorme indústria de carne suína (a maior do mundo), principal proteína da dieta dos chineses, entraria em colapso. E o que lhe falta? Água, que temos.
Pense nisso em 2 de outubro
Tais números dissecados indicam um caminho para o novo governo e o Congresso eleitos, além dos investidores e empresários da economia produtiva, chacoalhando os acomodados na ciranda financeira.
A reindustrialização com foco nas tecnologias de fronteira também é altamente dependente de oferta abundante de água. A produção de semicondutores de última geração, de 3 nanômetros (equivalente a 1 bilionésimo de 1 metro) para menos, exige resfriamento a água.
Eles são feitos com minerais escassos no mundo, parte dos quais há no Brasil. Uma política que incentive a exploração e a sua fundição no país serviria de moeda de troca com empresas de semicondutores usados em baterias de veículo elétrico, em placas de energia solar e em eletrônicos em geral. As montadoras instaladas no Brasil pedem essa estratégia antes que se tornem tão somente importadoras.
O cuidado a tomar não é com o que incomoda economistas neoliberais e seus porta-vozes na imprensa: o receio de captura do dinheiro público a pretexto de incentivar “campeões nacionais”. O risco pode ser evitado com maior envolvimento do mercado de capitais privado.
O que exige atenção é a China ser o principal fabricante desses minerais, dominando toda a cadeia de produção, da mina
à usinagem.
Um arranjo bem estruturado poria o país no jogo mundial em grande estilo com uma estratégia de desenvolvimento que vitamine o agro e a mineração, promova indústria de ponta com tecnologia e nos ponha na mesa principal dos atores globais. Pense nisso em 2 de outubro.