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Estado de Minas OPINIÃO

Jubileu essencial: a economia precisa de crescimento sólido por anos a fio

'Com 68 milhões de inadimplentes, renegociar dívidas é o meio para reaver o progresso e a paz'


25/09/2022 04:00 - atualizado 25/09/2022 07:52

Um cliente conta dinheiro em um mercado em Salvador, Estado da Bahia, Brasil, em 26 de agosto de 2022
'Os inadimplentes negativados em julho, último mês disponível, eram 67,6 milhões de brasileiros, ou 41,8% da população adulta' (foto: Rafael Martins/AFP)

O Brasil do faz de conta vai às urnas no próximo domingo esperando respostas para problemas sérios agravados nos últimos anos e manter os acertos. O sucesso do agro e da mineração como fonte de dólares, cuja escassez explica a recorrência das crises nos países vizinhos, será mantido em qualquer cenário. Mas é sabido que só afastar crise cambial, um movimento iniciado no primeiro governo Lula, não basta.

A economia precisa de crescimento sólido por anos a fio, o que só o encadeamento da indústria de transformação com o segmento moderno de serviços é capaz de prover, um alimentando o outro, com criação de bons empregos formais, estáveis e bem remunerados, ao ritmo de milhões, não milhares, como gera o agroexportador, competitivo por ser mais intensivo em insumos tecnológicos que em gente.

A inovação tecnológica também elimina empregos na indústria. Mas o fruto de sua produtividade se difunde com maior escala nos centros urbanos, motor das atividades de serviços - da criação de software à atenção das necessidades essenciais e aspiracionais das pessoas.

Milhões de empregos remunerados acima do nível de subsistência é o objetivo de uma política econômica bem-sucedida. Ela não se esgota na responsabilidade fiscal e na inflação controlada, mandamentos importados dos EUA a partir dos anos 1970, vulgo neoliberalismo.


Baseia-se na ideia sem evidências de que desregulamentação e baixa tributação sempre trarão crescimento. Trouxeram o empobrecimento da classe média, que resultou na ascensão da extrema-direita onde a socialdemocracia governava, como Trump nos EUA, e vice-versa.

Não precisa o ministro Paulo Guedes pedir ao IPEA, um instituto de pesquisas econômicas aparelhado pelo governo, estudo para negar que haja 33 milhões de pessoas passando fome no país. Bastava-lhe andar a pé no Centro do seu Rio de Janeiro, nas ruas internas de sua Zona Sul ou na Avenida Paulista, para assistir famílias inteiras vivendo em barracas com filhos e malas. Repito: famílias, não dependentes químicos.

Como egresso do mercado financeiro, ele pode apreciar os dados de inadimplência da pessoa física compilados pela Serasa. Trata-se de um estoque de negativados que vem de longe, antecedendo o ciclo de alta dos juros do Banco Central, interrompido esta semana em 13,75% ao ano, ou 8%, abatendo a inflação, a maior taxa real no mundo.

Metade do país está falido

Os inadimplentes negativados em julho, último mês disponível, eram 67,6 milhões de brasileiros, ou 41,8% da população adulta. A dívida com bancos e cartões de crédito é considerada inadimplente, segundo regulamentação do BC, quando o atraso das parcelas vencidas estoura o prazo de 91 dias. Nas dívidas não-bancárias, como com empresas de água e de eletricidade, às vezes o corte do serviço é imediato.

É aí que está o busílis. Ao contrário da percepção corrente, água, luz, gás e telefonia representam 29% das dívidas no país, quase tanto quanto com bancos e cartões. Mais de 71% do total das dívidas pessoais é com empresas não-bancárias, correspondendo, em geral, a serviços essenciais de fluxo contínuo. Pense na luz.

O que dizem esses números? Que os milhões sem ter o que comer estão no estágio terminal da civilização depois de já terem sido excluídos da economia monetária formal. Não ajuda compreender o tamanho desse drama, como demonstra a alienação de Guedes, achar, como sugerem a imprensa e as entidades do comércio quando falam de inadimplência, que o problema seja exclusivamente dos bancos.

A dívida negativada das pessoas com bancos e cartões é de cerca de R$ 99 bilhões, 3,5% da carteira total de crédito da pessoa física, cujo estoque chegava a R$ 2,8 trilhões em abril último. Já a dívida não bancária (contas de luz, água, crediário de lojas etc.) passava de R$ 205 bilhões na mesma data. Não haverá paz social sem solução dessa tragédia social que acomete metade da população.

Pecado real é não perdoar

Dá para resolver? Fácil não é, mas já há solução, desenhada por técnicos de alto nível e profundo conhecimento da legislação e de crédito. A candidatura de Lula abraçou esta proposta, que tem sido defendida pelo candidato Ciro Gomes desde 2018.

O Banco Central não seria um obstáculo. Considera-se que haja 235 milhões de dívidas negativadas, num total de R$ 287,7 bilhões. A quantidade média de dívidas por pessoa negativada é de 3,5.

Cada uma carrega um passivo pessoal médio de R$ 4.253, com ticket médio de R$ 1.222. “Feirões limpa nome” da Serasa, um entre tantos do tipo, mostram como fazer. Num deles, no fim do ano passado, em São Paulo, estado com 15 milhões de inadimplentes, o desconto de multa e juro chegou a 99%, e o saldo a pagar dividido em 77 parcelas mensais.

Pode-se chegar, dependendo do novo governo, à ideia do jubileu dos antigos judeus, quando dívidas, penas e pecados eram perdoadas. E que se inclua também o crédito de empresas tornado lesivo ou pelo avanço dos juros ou por situação alheia à gestão empresarial. O país clama pelo recomeço lato sensu da mobilidade social.

Pessoas no centro de tudo

A verdade é que não há modelo único de prateleira para a economia. O caso brasileiro, no entanto, tem semelhança com o dos EUA atual, onde caiu a ficha da decadência econômica, social e tecnológica na direita liberal, aqui tomada por esquerda, e na direita extremada que Bolsonaro e filhos acompanham de perto. O que há em comum?

As duas orientações seguem a máxima segundo a qual tanto política quanto econômica são indissociáveis, como André Lara Resende e este escriba afirmam há anos. Quem quiser ir fundo no tema recomendo o livro da socióloga Elizabeth Berman, da Universidade de Michigan, “Thinking Like an Economist: How Efficiency Replaced Equality in U.S. Public Policy”. Ela chocou os economistas ao pôr em causa sua sabedoria e presciência emprestadas, supostamente sem interesses, aos governantes, políticos e chefes empresariais.

Para os neoliberais, política econômica é meio visando um fim. Para os progressistas, os valores da economia são fim em si mesmos. Tais conceitos, diz ela, estão enraizados nas universidades, em grupos de reflexão, entre os políticos e na imprensa.

Os novos pensadores nos dois pólos põem família e trabalhadores no foco. Planejamento e política industrial e tecnológica são meios para atender o objetivo maior. Pessoas, não ideologias, importam.

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