Segunda-feira se saberá se o Brasil apertará o passo para sair do pelotão das nações estagnadas e com elites desajuizadas e disputar a dianteira das grandes transformações tecnológicas que já marcam a década como a mais desafiadora e alarmante desde a Grande Depressão dos anos 1930. Ou se terá feito a opção pela covardia e insensatez.
A guerra na Ucrânia faz parte deste contexto, em que voltam à cena disputas por “espaços vitais”, acesso a fontes de insumos básicos à segurança industrial e alimentar cada vez mais crítica neste tempo de escassez hídrica em toda parte e fortes mudanças climáticas.
Não somos uma ilha de prosperidade inserida num mundo conturbado. Mas, sobretudo, não podemos ser, e é o que estamos sendo, ingênuos, entretidos pelo moralismo seletivo de políticos reacionários, tipo defender Estado mínimo para os outros e máximo para seu bem-estar e prosperidade pessoal, e histerismos sobre costumes, assunto de foro íntimo de cada um para o liberal de verdade, não os de fachada como os que servem de estafetas da extrema-direita darwinista.
A quem interessa uma nação dividida, especialmente um gigante com o último grande mercado de consumo de massa no mundo não realizado, com dimensões continentais e recursos naturais cobiçados pelos que disputam o controle hegemônico das decisões geopolíticas? Pense...
O que as eleições determinarão é se seremos prendas dos predadores insidiosos ou parte do mundo que ambiciona transformações pela paz, impondo-se com soberania e instinto de liderança entre os fortes. A decisão do voto transcende a pauta da mediocridade que nos distrai.
O que nos falta? Visão de progresso, sinônimo de desenvolvimento – palavras tornadas malditas pela ideologia do descaso com os valores essenciais à integridade de uma nação, que começam e continuam, sem nunca terminar, com o bem-estar de sua gente.
Não há país forte com poucos afortunados, multidões de famintos e com a maioria lutando pela sobrevivência, sem tempo nem consciência para sonhar com algo melhor. Instabilidade política está no mundo, não é evento isolado, e suas raízes remetem ao medo do desconhecido neste tempo de transformações e de empobrecimento de classe social.
Falácia do Estado mínimo
Para variar, estamos com discussões sobre as questões substantivas com atraso de décadas, como esta do Estado mínimo, exemplificada pelo ministro da Economia, aparentemente expresso com seriedade e não como anedota, de que não pode vender as praias por causa da burocracia e de veto da Marinha. Pareceu o candidato que só faltou defender nos debates da TV a privatização da COVID...
A tudo isso assiste uma enorme ignorância arrogante, ovacionada em certos auditórios e regabofes empresariais como a demonstrar que o subdesenvolvimento tem método e faz parte de um projeto deliberado.
No caso das praias, mencionada como exemplo da má gestão de ativos estatais, o ministro confundiu “terreno de marinha”, que é a área litorânea da costa brasileira, com terreno da Marinha, uma das três Forças Armadas. É como querer vender a Petrobras quando os países estão estatizando as empresas de energia tanto pelo colapso do abastecimento de gás pela Rússia quanto para adequar a geração energética ao imperativo da descarbonização. Olhe o noticiário.
Têm sido frequentes, nos últimos dias, matérias na imprensa dando conta de como ficará a Petrobras depois das eleições pela ótica do detentor de ações da estatal, não de sua função estratégica para a reconstrução do progresso. Espera-se a sua conversão numa empresa de energia plena, considerando a transição em curso no mundo dos combustíveis fósseis para geração limpa (solar, eólica etc.).
O conservador civilizado
De acordo com o filósofo Russell Kirk (1918-1994), “uma economia obcecada por um suposto Produto Nacional Bruto – não importa o que seja produzido ou como – se torna desumana. Uma sociedade que pensa apenas numa suposta eficiência, independentemente das consequências para os seres humanos, trabalha sua própria ruína”. Um comunista?
Para os direitistas de Twitter, isso deve ser coisa do Psol. Kirk, na verdade, é o conservador raiz da história recente dos EUA.
Seu livro “The conservative mind: From Burke to Santayana”, baseado em sua tese de doutorado, reintroduziu o estudo do filósofo inglês Edmond Burke no século 20 e influenciou expressivamente nos EUA o conservadorismo. Hoje, é um dos esteios intelectuais da nova direita do Partido Republicano, mais polida que Trump e convencida de que o fundamentalismo de mercado solapou o poderio dos EUA.
Essa é a discussão que importa. O resto é lobby de quem está feliz com a estrutura da economia no Brasil – foco na exportação de bens agrícolas e minérios; canalização dos parcos recursos públicos para investimentos na logística exportadora dissociada do progresso ao longo das linhas férreas, rodovias, portos e aeroportos; e apoio à desconstrução de políticas sociais para abater o tal “custo Brasil” da indústria. E por quê? Para a indústria não pôr olho gordo sobre seu monopólio no acesso aos bancos públicos e facilidades fiscais.
Vetocracia do progresso
É assim que estamos: numa “vetocracia” do desenvolvimento, que implica desobstrução da remodelagem da indústria legitimada pela inovação tecnológica, e criação prioritária de empregos bem remunerados, não o trabalho precário que sugere a economia voando, ao criar a ilusão da queda do desemprego. Ilusão também do crescimento econômico com viagras orçamentários, compensados por juro real operado pelo Banco Central de 8% ao ano, o maior entre as grandes economias do mundo.
Isso é mais frágil que promessa de rigor fiscal de parlamentar do Centrão, primo siamês dos moralistas de plantão, segundo os quais a corrupção é a causa dos infortúnios do país (como da Petrobras nos tempos da Dilma, exaurida não pelos desvios, mas pela determinação de que explorasse o pré-sal em situação de monopólio), assim como o suposto inchaço de pessoal do setor público.
O populista e os seus apologetas na imprensa, no Judiciário, nos partidos, sabem ser mais fácil atrair votos indignando o eleitor que lhe contando a verdade.
As reformas necessárias são a da política, que moralize partidos e seu custeio, e a da governança do Estado, muito mais relevante que a administrativa, que no fim só tunga bagrinhos da burocracia. Essa é a verdade surrupiada pelos memes no Facebook, de boa-fé ou não, destinados a sabotar o seu voto transformador.