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ANTÔNIO MACHADO

“Quero fazer uma penitência”, disse-me um amigo, parte da diáspora dos que desistiram do Brasil, na quinta-feira. “Sabe minha opinião de que nunca seremos um país desenvolvido? Mudei de ideia depois de ler esta manhã a manchete do The Economist on-line. Podemos, sim! A Inglaterra está vindo ao nosso encontro”.





Meu amigo assimilou o humor mordaz dos ingleses. A chamada da mais influente publicação de orientação liberal no mundo fazia troça com a Itália, país conhecido pela instabilidade de seus governos, ao anunciar a renúncia da primeira-ministra Liz Truss apenas 44 dias depois de substituir Boris Johnsson do mesmo Partido Conservador. O rival Partido Trabalhista, social-democrata, está na espreita.

“Bem-vindo à Britália”, publicou, numa tradução literal, fundindo Itália com Grã-Bretanha. E completou: “Um país de instabilidade política, baixo crescimento e subordinação aos mercados de papéis”. Desde 2015, foram quatro primeiros-ministros, assim como a Itália.

A desgraça da deputada Liz Truss serviu de alerta a tantos países da parte ocidental do mundo, e nós somos um elo desta corrente, que buscam sair do pântano da estagnação econômica - causa primária do terremoto social que abala a construção política erguida sobre os fundamentos da desregulamentação dos mercados, degenerada no que a nova direita dos EUA chama de “fundamentalismo”, ou neoliberalismo, ideologia que abastardou o planejamento como eixo da macroeconomia.





Ela chegou anunciando corte de impostos dos mais ricos, aumento do endividamento público para energizar o anêmico investimento privado e a expectativa de que o crescimento econômico subiria para 2,5% ao ano, compensando a redução tributária e o laxismo da dívida. Seria a reinterpretação aos dias atuais da ideologia do livre mercado de Margareth Thatcher, de quem se disse adepta, e de Ronald Reagan.

Deu tudo errado. Desta vez, mostrando que o tal neoliberalismo já não tem a confiança incondicional de seus patrocinadores, o mercado financeiro reagiu se desfazendo da libra e liquidando os títulos de dívida do Tesouro inglês e ações de empresas cotadas em Londres. E não sem razão: a carga tributária já é das menores em relação à de seus pares europeus e os EUA, o endividamento é recorde desde os anos da 2ª Guerra e o produto e a renda não decolam. Como nos EUA.

Essa macroeconomia perdeu a divindade dos últimos 40 anos, mas no Brasil desponta como novidade supimpa pelos governantes da vez.

Investimento é malvisto

Corte de imposto para animar o crescimento econômico nem sempre dá errado. Donald Trump fez isso, reduzindo o IR corporativo para 21%, e a economia cresceu. Mas a insatisfação social não amainou. O que não funcionou? O lucro entregue anteriormente ao IR foi aplicado em ativos financeiros, na recompra de ações da própria empresa visando o aumento de sua valorização em bolsa e em negócios no exterior.





A renda dos investidores e acionistas inflou ainda mais, enquanto a da população seguiu estagnada, ou regrediu para os com instrução até o equivalente ao segundo grau. Emprego para profissionais com habilidades em novas tecnologias tem, não há é quem o atenda.

Desde 2010, segundo American Compass, think tank da nova direita, e Information Technology & Innovation Foundation, mais nacionalista e desenvolvimentista, o investimento líquido das empresas nos EUA, excluindo gastos em softwares, foi negativo todos os anos. Este é um descompasso que, com o tempo, leva amplos setores da sociedade à radicalização, culpando empresas que exportaram suas fábricas, os financistas e os intelectuais em geral pela sua regressão social.

Tal cenário fez os financistas desconfiarem do plano de Liz Truss, pois presumia uma relação causal entre menos impostos e mais investimentos em produção. É o que explica Joe Biden condicionar o apoio de capital às empresas de tecnologia, entre semicondutores e de energia limpa, a provar a aplicação do dinheiro apenas nos EUA.




Perversão da boa intenção

A reação cada vez mais ríspida dos eleitores aos políticos que não sabem o que fazer para resgatar a era dourada do capitalismo, entre 1945 e fim de 1970, inclusive no Brasil, tem sérias implicações.

Elas vão da geopolítica, com a constatação bipartidária, nos EUA, do fracasso do apoio à China, na presunção de que o progresso a faria adotar a democracia liberal, à crença de que a liberalização dos mercados distribuiria resultados de forma mais eficaz e justa.

O capitalismo de Estado com “caraterísticas chinesas” transformou a China num rival formidável das economias e democracias liberais, possivelmente uma ameaça à atual ordem global, tal como a Rússia.





A desregulamentação perverteu-se na financeirização dos negócios empresariais, sobretudo com as fusões e aquisições alavancadas, de modo que aos poucos o investimento produtivo foi adquirindo a noção de ônus e não de compromisso com a proteção e futuro da atividade, de seus empregados e das comunidades em que estão estabelecidas.

A rigor, mesmo que não saibam, são estes fatores que movem os ânimos difusos dos eleitores submetidos a tais rupturas, ainda mais ameaçadoras pelas transformações aceleradas pela tecnologia. Tome-se o caso do setor automotivo: está mudando do motor a combustão a motor a bateria elétrica. No Brasil, sem política pública para essa situação, há o risco concreto de o setor se tornar importador.

Sabotagem dos sacripantas

Agora, respire e avalie o que disseram sobre tais ameaças e, mais importante, as soluções, os 513 deputados e 27 senadores eleitos. E o que diz a dupla de candidatos à Presidência da República. O atual repete o mantra supostamente liberal de seu ministro da Economia. O desafiante tem um plano mais contemporâneo, mas ainda não o exibiu.





E estamos numa campanha em que, para se reeleger, o presidente fez o diabo, gastando com projetos eleitoreiros, para comprar simpatia e elevar a preferência do eleitor de apenas 27% em maio de 2021 a quatro a cinco pontos abaixo da pontuação de Lula. Essa fatura será resgatada ano que vem, expondo a inflação desinflada pelo corte de tributos, cujo desfalque o STF mandou a União ressarcir estados e municípios. O próprio crescimento é em boa parte movido por medidas de impulso ao consumo com impacto fiscal de quase R$ 70 bilhões.

Cadê ações estruturais para elevar o investimento na produção? Os dados de quase R$ 1 trilhão em concessões e privatizações até 2030 confundem estoque com fluxo, além de desconsiderar que a economia padece é de mais produção, não de novos gestores do que já há.

No fim, Bolsonaro e Guedes criticam os governos do PT, mas abraçam o consumo temperado por aditivos fiscais finitos sem apontar o mapa da reindustrialização movida pela inovação tecnológica. Faz sentido tanta gente fazendo guerra cultural em rede social, enquanto alguns passam a boiada, outros saem do país e a minoria de entusiastas do progresso é sabotada por sacripantas falidos ou sem empresas?