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A volta da razão ao Planalto

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Pouco mais de um mês depois da derrota do candidato que fez o diabo para se reeleger, destroçando as finanças federais e zerando o caixa da maioria dos programas obrigatórios, fato é que o presidente eleito surpreendeu ao começar a governar sem estar empossado, sem ter ministros anunciados e sem formalizar, mas informalmente está quase lá, uma maioria parlamentar robusta na Câmara e no Senado.




 
Como numa corrida de obstáculos, desmentiu os que disseram que teria vida dura no Congresso com maioria de centro-direita, e dentro dela a superestimada bancada da extrema-direita bolsonarista, como se algum dia na história o Parlamento brasileiro tivesse sido majoritariamente de esquerda ou de centro-esquerda, os campos do PT e do antigo PSDB.

Não existiu nem nos oito anos de FHC e do PSDB, nem nos 15 anos dos quatro governos do PT, com Lula e Dilma. Os três governaram com uma coalizão de partidos de centro e centro-direita com alguma roupagem programática, que o tempo puiu, tornando vários deles agenciadores de oportunidades a serviço de interesses vulgares, inclusive pessoais.
 
É com eles que Lula, cuja coligação, incluindo o PDT, elegeu 139 deputados, do total de 513, e 15 senadores, entre 81, passou a negociar desde a noite da eleição, quando foi cumprimentado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), grão-duque da matreirice parlamentar.




No juízo pedestre de analistas apressados, como os que subsidiam as apostas dos operadores de títulos, vulgo farialimers, Lula corria o risco até de não tomar posse, desafiado pelo presidente mau perdedor, apoiado por radicais instrumentalizados por facções de militares, por empresários fascistas e pela classe média hostil a pobres e a quem se preocupa com a sorte da maioria da população. A realidade tende ao contrário: à criminalização dos mais radicais do bolsonarismo.
 
Não foi com o seu gogó rouco nem um fabuloso programa de governo, do qual ainda é devedor, que Lula atraiu os líderes do tal Centrão. Com pragmatismo, ouviu as condições de Lira e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para não inviabilizar o seu futuro governo. Ele as aceitou em termos, e está prestes a ter uma trégua do Centrão da política para começar a governar sem uma oposição feroz. Mais que isso, dependerá dos ministros que nomear e de um bom plano econômico.

O gol contra de Bolsonaro

O pivô na nova, velha maioria parlamentar negociada por Lula com os caciques dos partidos de centro foi, contraditoriamente, Bolsonaro e o seu ministro-palestrante da Economia. Eles enviaram ao Congresso uma proposta de Lei Orçamentária (LOA) para 2023 inexequível, já que suas rubricas mal dão para o gasto corrente dos programas federais.




 
Com Lula ou Bolsonaro eleito, as negociações atuais seriam as mesmas e com valores diferentes. Bolsonaro provavelmente seguiria tocando um ajuste fiscal ignorando despesas obrigatórias sociais, da educação, da saúde e dos órgãos de repressão ao crime organizado na Amazônia, como Ibama, Funai e PF, entre outras áreas federais abandonadas. Lula explicitou que reporia o custeio das funções constitucionais da União e voltaria a priorizar altas reais do salário mínimo, por exemplo.
 
Eleição serve para a sociedade eleger suas prioridades. Ainda assim, ambos concordaram em manter o bônus do Auxílio Brasil, que volta a se chamar Bolsa-Família, em R$ 600. Deve-se considerar que foi o intuito meramente eleitoreiro que fez Bolsonaro elevar esse bônus, já que tal valor volta a R$ 400 depois de dezembro e a proposta da LOA para 2023 provisionou apenas o montante para pagar R$ 405.

Realismo contra tumultos

É em torno de tais questões que gira o interesse comum da maioria do Congresso e do futuro governo em votar uma emenda constitucional para prover recursos ao novo Bolsa-Família e repor os valores das rubricas essenciais da LOA de 2023. Nela também se inserem os R$ 19,5 bilhões para as emendas sem transparência pagas a mando da direção da Câmara e do Senado aos parlamentares fiéis, conforme o tal orçamento secreto.




 
Lira e Pacheco querem se reeleger na direção da Câmara e do Senado, respectivamente, e são tais emendas, chamadas de RP-9, o trunfo de cada um. Lula as criticou na campanha e não as apoia, mas, com as manobras peçonhentas dos bolsonaristas, a denúncia desse esquema só serviria para tumultuar a transição.
 
Estranho é que tais antecedentes da chamada PEC da Transição sejam ignorados pelos vigilantes fiscais do mercado financeiro, por parte do empresariado e pela imprensa (que toma partido quando a titula de PEC do Estouro). Fato: ela não cria gastos, regulariza os que o atual governo não orçou para 2023. Mesmo o adicional para investimentos com fundos fiscais virá, se aprovado, de receitas extraordinárias.

O caminho da prosperidade

O governo Lula deverá propor outra âncora fiscal mais adiante, algo prudente, ao lado de um plano realista com foco no crescimento movido a investimento em infraestrutura e na indústria de transformação.




Crescer sem aditivos fiscais e bolha de dívida de consumo, o modelo fiscalista dos últimos anos, determinará a sorte do país na década.
 
Lula precisará de ministros afinados com sua prioridade voltada para o fim da pobreza. Se ligá-la à realização do último grande mercado de consumo de massa virtualmente virgem no mundo, ele poderá patrocinar uma política industrial inovadora. Ou se empenha para isso ou o país chegará ao fim da década com uma indústria maquiladora, se tanto. É esse setor, reduzido a menos de 11% do PIB, que excita a miríade de atividades de serviços, que são os grandes empregadores do país.
 
A reversão da decadência do setor de transformação é essencial. Pelo valor adicionado, a sua importância no mundo murchou de 2,2% do total produzido em 2005 a 1,28% em 2021. Nesse período, o comércio global de bens assistiu à ascensão dos semicondutores, que nem produzimos, com 15% de participação ou US$ 2,6 trilhões, seguidos de computadores, com 12%, e petróleo cru, 9%.
 
Sem revitalizar a indústria, não haverá desenvolvimento regional, a maioria da força produtiva, representando 67% da população ocupada, continuará recebendo até dois salários mínimos (R$ 2.424 mensais) e a frustração inviabilizará a melhoria da educação. Isso é o que merece atenção, capital social e identidade nacional, não bem a obsessão dos evangelistas do equilíbrio fiscal. Indiferença às necessidades locais e nacionais é o que nos torna vulneráveis às crises e aos demagogos.