Jornal Estado de Minas

A reforma tributária em tramitação é um passo à frente


O processo de aprovação da emenda constitucional que cria o imposto sobre o valor adicionado substituindo três tributos federais, o ICMS dos estados e o ISS dos municípios escancarou o nível raso do debate político e a ignorância dos que comentam sobre o que não sabem. Para alguns, a PEC 45, aprovada no Senado e que volta à Câmara para avaliar as mudanças votadas pelos senadores, foi “vitória de Lula”. A oposição votou contra, com Jair Bolsonaro afirmando que a reforma foi “proposta por aquele que tem orgulho de ser chamado de comunista”. Os petistas cumprimentaram o ministro Fernando Haddad. Numa entrevista, um economista tentou corrigir o festival de desinformação e atribuiu o projeto ao deputado Baleia Rossi, MDB-SP, que subscreveu a PEC 45 original levada à Câmara em abril de 2019. Chegou perto, mas errou.





A reforma vem da dedicação do economista Bernard Appy desde que no Ministério da Fazenda entre 2003 e 2009 era o interlocutor do think tank acionado para formular reformas, como a da previdência, a da tributação geral, das debêntures, da exploração do pré-sal etc. Com a crise do mensalão, a tributária foi para a gaveta. Anos depois, Appy a recuperou nos termos atuais, tendo o apoio de algumas empresas.

Presidente da Câmara de 2016 a 2021, Rodrigo Maia gostou do projeto, cujas linhas estavam na Ponte para o Futuro, o programa de reformas norteador do governo Michel Temer (2016-2018). Não fosse o infortúnio de Temer vis-à-vis a ação da PGR, já abrindo caminho para Bolsonaro, e as reformas da previdência e a tributária teriam passado com Maia.

A primeira passou com ele e David Alcolumbre no Senado em 2019. A tributária está passando agora. Os governantes, em cada uma, não se esforçaram para aprová-las. A tributária foi compromisso de Arthur Lira durante sua campanha para reeleição da direção da Câmara. E foi sua decisão de manter a relatoria da PEC 45 com o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) o que a fez tramitar com relativa tranquilidade. Portanto, os méritos da reforma que chega atrasada desde que em 1988 a Constituição foi promulgada são de Maia, Lira, Aguinaldo, Baleia e, como formulador, Appy, chamado por Haddad para assumir a secretaria responsável pelo suporte técnico ao Congresso na condução da PEC 45.





O desconhecimento sobre a mais importante decisão da legislatura atual é limítrofe às muitas exceções incorporadas ao texto original. Ele previa somente uma alíquota, embora seus autores assim o fizessem para negociar no parlamento – que tem a prerrogativa exclusiva em questões constitucionais, sem envolver o presidente da República. Sabiam que duas a três seria o formato politicamente possível. Será mais que isso. As exceções, premiando setores empresariais com acesso às decisões políticas, foram inseridas na emenda à Constituição como uma percentagem da alíquota principal, ainda incerta, pois dependente da trava segundo a qual a nova arrecadação não poderá exceder a atual - com base na métrica de proporção do PIB, cerca de 12,5% do produto.

Ainda assim, ao eliminar a cumulatividade da cobrança de impostos ao longo da cadeia produtiva, o resultado da reforma é muito superior ao sistema atual – uma colcha de retalho em que nenhum analista honesto ousa estimar uma alíquota média. A de referência do novo sistema deve ser até 27%, embora pessimistas falem em algo próximo a 30%. E ela se compara com o quê? Com certeza, não se sabe. Mas, tomando-se o total da arrecadação sobre o PIB dos cinco impostos como medida, as alíquotas atuais devem ser de 34% para mais. Então, pior não fica.

Valorizou-se a simplificação da complicação tributária com o fim do ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins por um IVA dual, dividido apenas para fins arrecadatórios pela CBS federal e o IBS de estados e municípios. Mas o maior mérito está no potencial de revigorar a manufatura, que tende à irrelevância no Brasil – um crime diante da dimensão do país e do maior mercado de consumo de massa do mundo ainda inexplorado em boa parte. Tal como se viu no passado nos EUA e na Ásia no presente, indústria forte é o que move a área de serviços, maiores empregadores – do varejo e salões de beleza a softwares, games, cultura e lazer.





Cada regime especial com taxa de 40% a 70% da alíquota de referência – que será aplicada cheia a toda a indústria -, imporá perda ao desenvolvimento nacional. Com a maior bancada no Congresso, o agro já altamente beneficiado pelo crédito subsidiado e uma tributação das mais frouxas será o grande beneficiado. No fim, o ônus será duplo aos mais prejudicados: nós todos, com mais impostos nos bens e serviços e com uma taxa de progresso econômico menor do que poderia ser.

Ainda assim, o resultado esperado tende a ser melhor que deixar como está nosso obsoleto sistema tributário. E há a expectativa de que nas mãos hábeis do deputado Aguinaldo Ribeiro, relator da PEC na Câmara, a emenda constitucional remendada no Senado tenha algumas melhorias. A questão de fundo, subestimada pela inteligência nacional, é o que o governo pensa fazer para romper a retranca do financismo e do viés fiscalista que solapam o crescimento desde o fim do desenvolvimento dos anos 1950 a meados de 1980. Grandes reformas, como a trabalhista, a previdenciária, dos marcos regulatórios, por si, só são eficazes se estiverem associadas a uma política econômica focada no investimento que amplie a oferta, em vez de atiçar a demanda, esse erro populista.

INFRAESTRUTURA


Se se inspirar na reindustrialização em curso nos EUA, política com selo bipartidário, buscará tirar o investimento para infraestrutura do orçamento, que é pouco, menos de R$ 100 bilhões, visando maximizá-lo com fundos privados e com foco também em máquinas, equipamentos e a manufatura, inclusive médias indústrias, na fronteira tecnológica.





O crédito bancário de curto a longo prazo também precisa passar por um choque de oferta, que é o jeito eficaz de levar à queda dos juros. Fundos de crédito, que tem nos papéis de dívida de empresas seu ativo principal, são uma opção interessante. Tais diretrizes implicam outra política econômica, sem a dependência de metas fiscais mas mantendo a atenção sobre a eficiência do gasto ordinário e a taxa de inflação.

Crescimento econômico puxado pela oferta à demanda interna e externa tende a reforçar o caixa de impostos, a reduzir o gasto social devido à abertura de mais empregos formais e põe o avanço da produtividade à frente das políticas de incentivo aos negócios. Sem uma combinação de tais fatores, atraso e desunião política continuarão no horizonte.