Jornal Estado de Minas

Medo da vida

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“Antônio Roberto, estou desesperada. Minha filha tentou o suicídio ingerindo comprimidos. Ela tem um namorado há 6 anos. A relação deles é bastante conturbada e a tentativa de suicídio tem a ver com isso. Eles tinham brigado e ele ameaçou abandoná-la. Gostaria que você me explicasse: 1º) O fenômeno de alguém desistir da vida. 2º)O que fazer nesse caso?

>> Rosa, de Belo Horizonte

O natural da pessoa é querer viver com todas as implicações desse desejo: contato com o mundo, espontaneidade, alegria, construção de vida e da realidade, resolução dos problemas e amor ao dom da vida. Quando o sistema de conexão com o mundo está deteriorado, como no caso da depressão, o desejo se inverte e a pessoa passa a desejar a morte como tentativa de fugir do sofrimento. 

Diante do medo da vida, dos problemas, das ameaças de abandono, às vezes entramos em profunda ansiedade.

Nosso corpo se prepara para uma luta e temos duas alternativas básicas. Ou enfrentamos ou fugimos. 

O suicídio é um mecanismo de fuga diante da ameaça do mundo, seja real ou imaginária. Pessoas muito protegidas, com autoestima baixa, com a sensação de impotência e fragilidade, tendem a fugir em vez de enfrentar. Um segundo aspecto da psicologia do suicida é que ele é um grande jogador. As relações humanas podem se estruturar de duas formas. Como uma brincadeira amorosa, lúdica, cheia de graça e alegria, voltada para o prazer, a amizade, o compartilhamento e a aliança ou como jogo de competição, disputa e hostilidade. Na brincadeira não existe quem perde ou quem ganha.
Todos ganham. Essa é a forma fundamental do amor. 

O encontro afetivo-sexual só será construtivo se tiver essa característica. No jogo, ao contrário, há uma tendência à destruição, à possessividade e ao desamor, embora nele exista muita paixão e um forte conteúdo emocional. Por isso mesmo, as pessoas confundem o amor com a paixão. Quando a leitora Rosa fala do relacionamento da filha com o namorado e diz que ele é extremamente conturbado, cheio de ameaças, desprezos, abandonos, ciúmes e rivalidades, ela está falando que eles se relacionam jogando, e jogando pesado. E o pior e mais cruel desses jogos no relacionamento afetivo é o jogo do ciúme. Por meio dele, um dos parceiros tenta alimentar no outro o medo da perda, do término do relacionamento, da sua dispensabilidade. 

E quanto mais ameaça recebe, mais o parceiro se apega àquele que produz o medo. Isso ocorre com frequência em relacionamentos apaixonados, mas onde um deles já é casado e não quer abrir mão do casamento, enquanto mantém a relação extraconjugal com muita intensidade, embora sem perspectiva de futuro. 

Dentro do processo do jogo, aquele que percebe a possibilidade de ser abandonado tenta manipular e controlar o outro para que a perda não se consuma.
E o maior controle tentado é produzir no outro medo e, sobretudo, culpa. 

O suicídio é um jogo extremo. É uma cartada final de uma disputa que já se desenrola há muito tempo. A tentativa de suicídio, de maneira indireta, seria mais ou menos o seguinte: “Tenha pena de mim, sinta culpa por eu tentar me matar, tenha medo de eu morrer e não me abandone.” Nesse ato existem muitas raivas reprimidas que se voltaram para a própria pessoa. Não consentir no ódio dirigido ao parceiro leva à depressão. A estrutura suicida é a mesma da depressão. 

Eu me mato para matar psicologicamente a outra pessoa, por meio do remorso que ela provavelmente vai sentir. É um tapa na cara dos que ficam. Sugiro à leitora encaminhar com urgência sua filha a uma terapia, em que, com remédios antidepressivos, ela possa reaprender a amar a si mesma, a ressuscitar para uma vida de alegria e sair de todo e qualquer jogo em que ela não é valorizada e corre o risco de perder.O autodesprezo e o autoextermínio não fazem sentido para aquele que aprende a viver e a ser feliz.