“Há 4 meses, para minha surpresa, meu marido se separou de mim dizendo não mais me amar. Não consigo esquecê-lo nem deixar de amá-lo. Isso me pôs num sofrimento sem fim. O que fazer?”
. Margarida, de Belo Horizonte
Certa vez, Buda foi procurado por uma mãe, cujo filho tinha morrido. Ela suplicava, de joelhos, a ele que ressuscitasse seu filho. Ele disse que atenderia seu pedido, mas havia uma condição. Ela deveria procurar, de casa em casa, naquela cidade, um punhado de sementes de mostarda, com as quais ele faria um remédio para ressuscitar seu filho. As sementes, porém, deveriam ser de uma casa onde nunca ninguém tivesse morrido. Nem os moradores nem parentes dos moradores.
A mãe toda esperançosa saiu correndo para cumprir a exigência de Buda. Depois de uma procura exaustiva por muito tempo e não encontrando uma única casa que não tivesse sido visitada pela morte, ela retornou à presença do iluminado e disse: – Meu grande mestre, agora entendo que não é possível a ninguém escapar do seu destino humano. Sei que não podes ressuscitar meu filho, mas ajude-me a ressuscitar meu coração?.
Todos nós temos muita dificuldade em lidar com as perdas, separações e com a morte. Na tentativa de negá-las, idealizamos uma vida para nós onde elas não existirão. E, quando, mercê da realidade universal, nos deparamos com uma perda indesejada, ficamos completamente perdidos, sem saber o que fazer. Em vez de gastar nossas energias e nossa experiência para superar as dores inevitáveis da perda, as gastamos na tentativa de reverter a situação e controlar aqueles que provocaram o fato. Diante da decisão de alguém se separar de nós, é justo e sábio que tentemos entender o porquê do seu desejo e procuremos caminhos que possam reconstruir a relação, evitando o gesto final.
Esgotados todos os esforços, após um certo período de tempo temos de encarar a realidade e mudar a estratégia de vida. Já não mais podemos permanecer no desejo obsessivo da volta, usando como arma o sofrimento, o desespero, a sensação de injustiçados. Chegou a hora de mudar de problema. A questão não é mais a separação, e sim o sofrimento emocional ao qual estamos grudados.
Há momentos na vida em que é preciso ter a humildade de “jogar a toalha”. Perdi a luta, agora é levantar. Saber lidar com as perdas na vida não é ser indiferente e anestesiar-se para não sofrer. É apenas saber que todo sofrimento humano, assim como tudo, é um processo que tem início, meio e fim. Fazer da dor um ponto de chegada, transformar a dor em um jeito de viver, prolongá-la indefinidamente, não fazer nenhum esforço deliberado para ir adiante é o que nos ensinaram e que temos de desaprender se queremos ser felizes. Para isso, duas coisas são fundamentais: primeiro, aumentar a consciência da inevitabilidade das perdas. A vida é assim.
Segundo, querer, de verdade, sair do sofrimento. Há algum tempo, uma amiga me procurou com o mesmo problema da leitora acima. O marido tinha se separado dela contra a sua vontade. Ela estava desesperada, com raiva, noites maldormidas, total sofrimento. Ela insistia que ainda o amava, que nunca deixaria de querê-lo, que não conseguia esquecê-lo. Eu lhe perguntei: – Mas você quer deixar de amá-lo?. Ela respondeu prontamente: “Não!”.
Mesmo no auge do sofrimento, mesmo tendo ouvido dele que não mais a amava, mesmo depois de ele ter demonstrado com fatos que não voltaria, mesmo já tendo passado uns três meses, ela não queria deixar de amá-lo.
Uma coisa é não conseguir, outra coisa é não querer. Quando uma pessoa diz: não consigo esquecer, não consigo deixar de amar, normalmente, esconde com isso o fato de não querer. O medo de cair no vazio, na insegurança pode nos levar a apegar em imagens de pessoas ou coisas que já acabaram. Ainda que o preço a pagar seja um sofrimento sem fim, uma acomodação vital e um atraso no crescimento. Quando queremos deixar de amar alguém, mesmo um pouco a contragosto, nos esforçamos em ações que nos ajudarão nesse propósito: visitar os amigos, sair para nos divertir, desenvolver exercícios físicos, entrar em contato com novas pessoas, viajar em grupo etc.
Não podemos negar o luto das nossas perdas, mas também não podemos permanecer muito tempo no luto. Como diria uma amiga minha: “Sair do luto para a luta.”