“Sou casada há 15 anos e sinto que meu casamento já acabou. Brigamos constantemente e com isso acabo sofrendo muito e até penso em separação. Por que tanta dificuldade em sair de uma relação infeliz?”
Fernanda, de Sabará
As pessoas se casam com um propósito no coração: permanecer juntas a vida inteira. Esse desejo não só é inerente ao amor como é reforçado cultural e religiosamente de várias formas. A própria ideia que temos de que uma relação “deu certo” está ligada à sua permanência no tempo. Acrescente-se a isso o fato de que a maioria dos nossos relacionamentos, no início, são harmoniosos, prazerosos e felizes. Por isso, quando a realidade se altera e o relacionamento passa a ser preenchido pelo sofrimento, é inevitável a pergunta: convém persistir em uma relação que, mesmo trazendo dor, foi outrora fonte de alegria e contentamento?.
Essa questão aparece com muita força quando os casais infelizes, vivendo relações esgotadas, têm muito medo de ser mais infelizes ainda se desistirem do relacionamento. Receiam a dor da separação, a culpa por se responsabilizar por essa decisão, o julgamento social, incluindo as críticas familiares, e, sobretudo, a solidão.
Muitos casamentos se mantêm por causa desses medos. O vazio conjugal provocado pela ausência do afeto, do amor e do respeito é preenchido pelos temores de cada um e o medo tem a capacidade de nos paralisar e nos acomodar.
A maioria dos que se mantêm em relacionamentos infelizes sofre só de pensar em reconstruir a própria vida. A justificativa é que pretendem salvar aquela união. E aí, a conduta neurótica de compactuar com o sofrimento ganha contornos de virtude: ela se autointitula como uma pessoa cheia de paciência, determinação e com o propósito sagrado de salvar a família. Há uma diferença entre a persistência e a teimosia.
A pessoa persistente busca alternativas para resolver as dificuldades. Ela aprende com os erros cometidos e, portanto, muda diante das circunstâncias. Ela tenta vários caminhos de solução. O teimoso, ao contrário, se mantém inalterado, repete compulsivamente o próprio comportamento, esperando que o mundo e as circunstâncias se adaptem a ele.
O teimoso espera que o parceiro conjugal seja de um jeito que ele jamais será. O teimoso fica cego para o significado daquilo que ele está enxergando: a ausência do amor, as brigas desrespeitosas, a indiferença, a hostilidade. O teimoso não reconhece as mudanças que aconteceram e não pauta sua vida por elas. Se um casamento perdeu a sua perspectiva de futuro, na contínua construção emocional dos parceiros, se perdeu o significado de companheirismo e afeto, se traiu a necessidade humana básica de ser feliz, ele já não é mais casamento. É uma parceria neurótica que se mantém às custas da insegurança, do medo, da culpa e da acomodação.
Não acredito que os casamentos devam se desfazer por qualquer tormenta ou crise. Afinal, somos humanos e qualquer instituição criada por nós passa por momentos difíceis e por problemas. Lutar pelo crescimento da relação é nosso dever, enquanto construtores imperfeitos da condição humana.
Nesse caso, há um desejo genuíno de salvar o relacionamento, demonstrado, muitas vezes, na procura de ajuda de profissionais do ramo. Persistir teimosamente em relacionamentos destrutivos, esperando milagres que nunca vêm, é uma forma de morrer, emocionalmente, através de sofrimentos desnecessários embora, momentaneamente, tenhamos a sensação de não estar sós.