“Vivo com uma pessoa, há 10 anos. Por amá-lo muito, aceitei as condições que ele me impôs. Larguei um trabalho onde era funcionária do estado. Isso tem gerado muita briga. Estou infeliz. Eu o amo, mas não quero viver assim mais. O que fazer?”
Aparecida, de Belo Horizonte
O grande objetivo de qualquer um de nós, de maneira consciente ou inconsciente, é ser feliz. Pela própria natureza, tendemos ao bem-estar, ao prazer, à alegria e à paz interior. A felicidade, no entanto, não acontece milagrosamente, por acaso e nem num passe de mágica. Ela é fruto de uma construção difícil, principalmente em uma sociedade que nos convida o tempo todo para pensamentos, sentimentos e ações que nos afastam do equilíbrio e da felicidade.
Alguns ingredientes são necessários na construção dessa estrada. Além da autonomia, da autoestima, do compromisso com a alegria, a maneira como nos relacionamos pode determinar nossa felicidade ou nosso sofrimento. Em outras palavras, qualquer relacionamento e, principalmente, os relacionamentos mais intensos, como é o caso do casamento, só fazem sentido se estiver alinhado com nossa aspiração fundamental e basilar de sermos felizes.
Nenhum relacionamento sadio poderá se estruturar em opressão, em restrição à liberdade individual, em empecilho para os sonhos, o crescimento enquanto pessoa, para a satisfação das necessidades naturais, sociais, espirituais do indivíduo. O conteúdo fundamental do amor é querer que o outro desabroche suas potencialidades, único caminho verdadeiro para o prazer e para a alegria.
Infelizmente, tudo o que aprendemos sobre amor, namoro, casamento vai na contramão disso.
Quanto sofrimento, depressão, angústia nos relacionamentos afetivos, por tê-los construídos em crenças e valores que solapam a individualidade, a autonomia e o crescimento dos parceiros. Movido pelo ciúme, é comum um parceiro querer resolver a própria insegurança, através da submissão e aniquilamento do outro. É o caso da leitora acima.
A primeira ideia do marido, ao se casar, foi isolá-la do mundo, confiná-la em casa, impedindo seu crescimento como pessoa e como profissional. Os parceiros ciumentos exigem como prova de amor que o outro se afaste dos amigos, da profissão, da família, enfim, de todas as fontes que o outro tem de alegria e prazer.
Mas também pudera. Ensinavam-nos o absurdo de que amar é... renunciar. A leitora caiu nessa armadilha. Ela própria confunde amor com submissão. Ela diz: “Por amá-lo muito, aceitei as condições que ele me impôs”. Mesmo que essas condições me entristeçam? Mesmo que me façam perder dignidade ou mesmo que me façam perder a individualidade, mesmo que eu sofra?
O amor e sua institucionalização no casamento é feito de duas pessoas livres, competentes na capacidade de serem felizes e de compartilhar juntos o seu estado de graça. Obviamente, existem regras comuns no relacionamento, aceitas pelos parceiros. Os acordos e normas são necessários para uma vivência harmoniosa. Nenhum acordo ou regra, porém, pode ser aceito se implicar sofrimento, degradação, humilhação do outro. Para companheiro, devemos querer pessoas que consigam ver, com alegria, nossas sementes brotarem, nossas flores abrirem e nossos frutos aparecerem. Amigo é aquele que deseja meu crescimento, que me incentiva na busca das minhas alegrias e dos meus “sagrados”.
Ninguém é encarregado de fazer o outro feliz. Isso não existe e é impossível. O parceiro amoroso é aquele que não atrapalha o outro na busca individual da própria felicidade. Querer ser feliz à custa do sacrifício do outro, à custa da infelicidade do outro, da paralisação do outro como pessoa, é a mais equivocada forma de amar que nos ensinaram. Qualquer renúncia, mesmo em nome do amor, é caminho certo para a infelicidade, para cobranças sem fim e para o fracasso de qualquer casamento.
Casamento é uma brincadeira, na qual os parceiros têm direitos absolutamente iguais.