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AMAR OU GOSTAR

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“Namoro um rapaz há quatro anos que sempre afirma me amar muito. Só que ele me trata mal, vive falando dos meus defeitos e vive determinando tudo. Sofro muito. Explique como é possível alguém amar e fazer isso tudo com o outro.”

Carla, de Pedro Leopoldo

Existem verbos diversos para classificar as interações entre as pessoas. A confusão começa quando todos eles são reduzidos genericamente ao verbo AMAR. Não existe palavra mais banalizada nas nossas relações que o amor. Essa palavra é usada indiscriminadamente e serve a todos os propósitos. Chega-se, às vezes, a verdadeiros absurdos, como na famosa frase do marido paranoico que “matou a esposa por amor”.



Temos que saber diferenciar o ‘amar’ de ‘gostar’. O ‘gostar’, que originalmente se aplica às coisas, se refere à autossatisfação: Eu gosto de chocolate, de cinema, de transar, de ser elogiado etc. É um verbo egocêntrico, ligado ao prazer que sentimos na relação com o mundo. O ‘amar’, por outra forma, extrapola o conceito do nosso prazer imediato e contempla também a existência da outra pessoa, sobretudo nos seus direitos e desejos como pessoa humana, incluindo o principal deles, que é viver em plenitude, ou seja, ser feliz.

No amor você deseja a felicidade do outro, se empenha nisso, se interessa por tudo o que possa ajudá-lo a estar bem consigo mesmo. Quando uma relação é baseada no ‘gostar’ mútuo, as pessoas são coisificadas e a relação é sempre de uso e exploração. Uma relação que é ciumenta, possessiva é exatamente isso. O ciumento não está interessado no crescimento do parceiro, tanto que não hesita em proibi-lo de trabalhar, estudar, ter amigos, se divertir (a não ser com ele), mesmo que essas coisas sejam essenciais para o processo de sua felicidade. Ao contrário, deseja a submissão do outro à sua vontade, ainda que isso produza sofrimento e perda da autonomia.

Imaginem uma relação em que os dois só conseguem conjugar o verbo gostar. É uma competição constante para ver quem manda em quem, quem deve se submeter, quem é o principal. Acreditar que isso é amor pode levar os parceiros a um pacto diabólico, que, aliás, é muito comum, no afã de provar que se amam: a renúncia mútua dos próprios desejos, objetivos, da própria felicidade para satisfazer o outro, aplacando-lhe os medos e as inseguranças.



O resultado é um relacionamento cheio de conflitos, tristezas, choros e cobranças contínuas por mais renúncias, julgando-se erroneamente que não são felizes porque é pouco o que fazem um pelo outro. O prazer mútuo, partilhado gratuitamente e aliado ao amor expande a relação e a eleva a níveis cada vez melhores. Construir uma relação é cada um crescer na capacidade de amar.

O gostar simplesmente é um convite ao sofrimento e à destruição. A verdade é que ninguém pode fazer alguém feliz. O processo da felicidade é pessoal, inalienável e intransferível. E quem não der conta de trilhar esse caminho não conseguirá amar e tentará resolver sua infelicidade às custas da infelicidade do outro.

A leitora tem razão de estar confusa. O namorado afirma amor a ela e, ao mesmo tempo, trata-a mal, desqualifica-a, abandona-a, impõe sempre a própria vontade, ignorando-a como alteridade. E tudo isso com um propósito, ainda que não consciente: ter o controle total e absoluto sobre ela para não perder seu objeto de prazer, seja sexual, seja emocional, seja de qualquer natureza. Com certeza o namorado não a ama, apesar de gostar muito dela. Ele a deseja demais, tanto que dela ele quer não só o corpo, mas também a alma. E por que ela se submete a ele? Será que ela o ama ou somente gosta dele?