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Eu te compreendo

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Eu te compreendo... 

Eu sei das tuas tensões, dos teus vazios e da tua inquietude. Eu sei da luta que tens travado à procura de paz. Sei também das tuas dificuldades para alcançá-la. Sei das tuas quedas, dos teus propósitos não cumpridos, das tuas vacilações e dos teus desânimos.





Eu te compreendo... 

Imagino o quanto tens tentado para resolver as tuas preocupações profissionais, familiares, afetivas, financeiras e sociais. Imagino que o mundo, de vez em quando, aparece-te como um grande peso que te sentes obrigado a carregar, e, às vezes, sem saber como. Conheço tuas dúvidas, as dúvidas da natureza humana. Percebo como te sentes pequeno quando teus sonhos acalentados vão por terra, quando tuas expectativas não são correspondidas. E as inseguranças com o amanhã? E aquela inquietação atroz em não saberes se amanhã as pessoas que hoje te rodeiam ainda estarão contigo?

De não saberes se reconhecerão o teu trabalho, se reconhecerão o teu esforço. E por tudo sofres e te sentes como um barco sozinho num mar imenso e agitado. E não ignoro que muitas vezes sentes uma profunda carência de amor. Quantas vezes pensaste em resolver definitivamente os teus conflitos no trabalho ou em casa, e nem sempre encontraste a receptividade esperada. Ou não tiveste força para encaminhar tua proposta. Sei o quanto te dói os teus limites humanos. Quanto, às vezes, te parece difícil uma harmonia íntima, e não poucas vezes a descrença toma conta do teu coração.

Eu te compreendo...

Compreendo até tuas mágoas, a tristeza pelo que te fizeram, pela incompreensão que te dispensaram, pelas ingratidões, pelas ofensas, pelas palavras rudes que recebeste. Compreendo até tuas saudades e lembranças. Saudade daqueles que se afastaram de ti. Saudade dos teus tempos felizes. Saudade daquilo que não volta nunca mais.

E os teus medos? 

Medo de perderes o que possuis. 
Medo de não ser bom para os que te cercam.
Medo de não agradar devidamente às pessoas.
Medo de não dares conta.




Medo de que descubram o teu íntimo.
Medo de que alguém veja tuas verdades e tuas mentiras.
Medo de não conseguir realizar o que planejaste.
Medo de expressar teus sentimentos.
Medo de que te interpretem mal.

Eu compreendo esses e todos os outros medos que tens. Sou capaz de entender também teus remorsos. As faltas que cometeste, a culpa pelos erros pequenos ou grandes erros que fosse colecionando na tua vida. E sei que, a partir de tudo isso, às vezes, tu te encontras num profundo sentimento de solidão. É quando as coisas perdem a cor, perdem o gosto, e tu te vês envolto numa fina camada de indiferença para com a vida. Refiro-me àquela tua sensação de isolamento, como se o mundo inteiro fosse indiferente às tuas necessidades e ao teu cansaço. E nesse estado sobra-te o tédio, e cada ação ou obrigação exige de ti um grande esforço. Sei até das tuas sensações de estares preso. Preso às normas, aos padrões esta- belecidos, às rotineiras obrigações: 

“Eu gostaria de...
Mas tenho que trabalhar... Tenho que ajudar... Tenho que cuidar de... Tenho que resolver... Tenho que...

Eu te compreendo...

Compreendo os teus sacrifícios. A quantas coisas tens renunciado, de quantos anseios tens aberto mão e sempre acham que é pouco... Pouca coisa tens feito por ti. E tua vida, quase que toda ela, tem sido dedicada a satisfazer outras pessoas. Sei do teu esforço em ajudar outras pessoas. E sei que isso é a semente de tuas decepções. Sei que nas tuas horas mais amargas até a revolta desponta em teu coração. 





Revolta com a injustiça do mundo, com a fome, as guerras, a competição entre os homens, com a loucura dos que detêm o poder, com a falsidade de muitos, com a repressão social e com a deso- nestidade. E tudo isso te faz carregar um grau excessivo de tensão, de angústia e de ansiedade. Sonhas com uma vida melhor, mais calma, mais significativa. Sei também que tens belos planos para o amanhã. Sei que queres apenas um pouco de segurança, seja financeira ou emocional, e sei que lutas por isso. Mas, mesmo assim, tuas tensões continuam presentes. E tu as percebes nas tuas insônias ou no sono excessivo. Na ausência de fome ou na fome excessiva. Na ausência de desejo para o sexo ou no desejo sexual excessivo. 

O fato é que carregas e acumulas tensões sobre tensões. Tensões no trabalho, nas exigências e no autoritarismo de alguns. Nas condições inadequadas de salário e de motivação. Nos ambientes tóxicos das empresas.  Nas invejas dos colegas, no que dizem por de trás. Tensões na família. Nas dependências devoradoras dos que habitam a mesma casa. Nos conflitos e brigas constantes, quando todos querem ter razão. No desrespeito à tua individualidade, no controle e na cobrança das tuas ações. 

Eu te compreendo...

Eu te compreendo mesmo! E, apesar de compreendê-lo totalmente, quero dizer algo muito importante (escuta agora com o coração o que te vou dizer):

Eu te compreendo, mas não te apoio. Tu és o único responsável por todos esses sentimentos. A vida te foi dada de graça e tens em ti remédios para todos os teus males. Se, no entanto, preferes a autocomiseração a mobilizar tuas energias interiores, nada posso te oferecer. Se preferes sonhar com um mundo perfeito a lidar com os limites de um mundo falho e humano, nada posso te oferecer.





Se preferes lamentar o teu passado e encontrar nele desculpas para a tua falta de vontade de crescer, se optaste por tentar controlar o que jamais controlarás, o futuro, com todas as suas incertezas, se resolveste responsabilizar as pessoas que te rodeiam pela tua incompetência em tratar com os aspectos negativos delas, em nada posso te ajudar. Se trocaste o autoapoio pelo apoio e pelo reconhecimento do teu ambiente, nada posso te oferecer. Se queres ter razão em tudo que pensas, se queres pena e piedade pelo que sentes, se queres aprovação integral em tudo o que fazes; se escolheste abrir mão da tua própria vida, em nome do falso amor, para comprares o reconhecimento dos outros, através de renúncias e sacrifícios, nada posso te oferecer.

Se entendeste mal o “amar ao próximo como a ti mesmo”, esquecendo-te de ti mesmo, em nada posso te ajudar. Se não tens um mínimo de coragem para estar com teus próprios sentimentos, sejam agradáveis ou dolorosos, se não tens um mínimo de humildade para te perdoares pelas tuas imperfeições, se desejas impressionar os outros e angariar a simpatia para teus sofrimentos, se não sabes pedir ajuda e aprender com os que sabem mais do que tu, se preferes sonhar a viver, desconhecendo que a vida é feita de altos e baixos, nada posso te oferecer.

Se achas que com teu desespero as coisas acontecerão magicamente, se usas a imperfeição do mundo para justificar as tuas próprias imperfeições, se queres ser onipotente quando, de fato, és humano, se preferes a proteção à tua própria liberdade, se internalizaste em tua cabeça desejos torturadores, se deixaste te imprimirem na mente as venenosas ordens de “Apressa-te!”, “Não erres nunca!”, “Agrade sempre!”, se escolheste atender às expectativas de todas as pessoas, se és incapaz de dizer um não, em nada posso te ajudar. Se pensas ser possível controlar o que os outros pensam a teu respeito, se pensas ser possível controlar o que os outros sentem a teu respeito, se pensas ser possível controlar o que os outros fazem, se queres acreditar que há segurança fora de ti, 

Repito: eu te compreendo, mas, em nome do verdadeiro amor, jamais poderia apoiar-te.





Se recusas buscar no âmago do teu ser resposta para teus descaminhos, se pouca importância dás aos teus sussurros interiores, se esqueceste a íntima unidade dos opostos na nossa vida terrena, se preferes o fácil e largaste mão da paciência do caminho, se fechaste teus ouvidos ao chamado de retorno, se escureceste a confiança, a ponto de não poder entregar toda a tua vida à vontade onipotente de Deus, se negaste o compromisso de rezar o “assim seja”, se não consegues encontrar, no íntimo das coisas, aquele ponto seguro e de equilíbrio, no meio de todas as tormentas e vicissitudes, se não aceitas a tua vocação, de viajante, com todos os imprevistos da jornada, se não queres usar o tempo, o erro, a queda e a morte como teus aliados de crescimento, realmente nada posso fazer por ti.

Se aspiras à proteção quando o que precisas é de liberdade, se não descobriste que a liberdade e a segurança verdadeiras são interiores, se não sabes transformar o “eu tenho que” por “eu quero”, se queres que o fantasma do passado continue a fechar teus olhos para a infinidade do teu “aqui e agora”,  se queres deixar que o fantasma do futuro te coloque em posição de luta com o que ainda nem aconteceu e poderá nem ao menos acontecer, se optaste por tratar a ti mesmo como a um inimigo, se te falta capacidade para ver a ti mesmo como alguém que merece da tua própria parte os maiores cuidados e ternura, se não te tratas como a semente do próprio Deus, se desejas usar teus belos planos de mudar, de crescer, de realizar-se como instrumento de autotortura, se achas que é amor o apego que cultivas aos teus parentes e amigos, se queres deixar de lado, em nome da seriedade e da responsabilidade, a criança brincalhona que habita em ti, se alimentas a vergonha de te enterneceres diante de uma flor ou de um pôr de sol, se mediante a lamentação recusas a vida como dádiva e como graça, não posso te apoiar.

Mas, se apesar de todo o sono, queres despertar, se, apesar de todo o cansaço, queres caminhar, se, apesar de todo o medo, queres tentar, se, apesar de toda acomodação e descrença, queres mudar, escutar agora o segredo que ofereço: a raiz de todas as tuas dificuldades é o teu pensamento. É ele que te leva para as dores da lembrança do passado e para a inquietação do futuro. E ele assim o faz afastando-se da experiência de contato com teu próprio corpo e, portanto, distanciando-te do teu próprio coração. 





Tens presentes agora o fluxo da tua respiração? 
Tens presente agora a batida do teu coração? 
Tens agora consciência do teu próprio corpo? 

Esse é o passo primordial. Teu corpo é concreto, real, presente. E é nele que o sofrimento deságua. E é a partir dele que se inicia a caminhada para a alegria. Sempre por meio dele o retorno à paz. Jamais resolverás os teus problemas somente pensando neles. Começa do mais próximo. Começa pelo corpo. Por meio dele, chegarás ao teu centro, ao teu vazio. Aquele lugar onde a semente germina. Por meio da consciência corporal, galgarás caminhos jamais vistos, entrarás em contato direto com os teus sentimentos, perceberás o mundo tal como é e agirás de acordo com a naturalidade. Assume teu corpo e teus sentimentos por mais dolorosos que estejam sendo. Assume e observa. Simplesmente observa. Não tentes mudar nada.

Sê apenas tua dor. Presta atenção: não negues tua dor. Para que fingir estar alegre, se estás triste? Para que fingir coragem, se estás com medo? Para que fingir amor, se estás com ódio? Para que fingir paz, se estás angustiado? E não lutes contra teus sentimentos; procure estar do teu próprio lado. Deixa a dor acontecer como deixas acontecer os bons momentos. Para. Deixa que as coisas sejam exatamente como estão. Entra nos teus sentimentos sem julgá-los. Não fujas deles. Não os evites. Não queira resolvê-los escapando deles. Depois terás de te encontrar com eles novamente. É apenas um adiamento, uma prorrogação. Torna-te presente, por mais que te doa. 

Se assim o fizeres, algo muito lindo acontecerá. Assim como a noite veio, ela também se irá e tu testemunharás o nascer do dia, pois que a noite só escurece até a meia-noite. Se assim o fizeres, verás brotar de dentro de ti uma força que desconhecias e te sentirás renovado na esperança e sentirás a vida entrar em ti. Se assim o fizeres, entenderás com o coração que a semente morre, mesmo e totalmente, antes de germinar. E que a morte antecede a vida. Se assim fizeres, então poderei dizer-te que eu te compreendo e que tens todo o meu apoio. E verás, com muita alegria, que justamente agora já não precisas mais do meu apoio, pois foste buscá-lo e o encontraste “dentro da tua própria dor”. 




audima