“Sou uma pessoa muito desconfiada. Sempre acho que as pessoas vão me passar para trás. Vivo inquieto e sofro com isso. Gostaria da sua ajuda”
Adolfo, de Ipatinga
A estruturação da desconfiança em nossas vidas começa cedo, na infância. Se tivemos uma experiência de afeto e acolhimento por parte dos adultos, principalmente os pais, internalizamos uma visão do mundo como um lugar bom e passamos a ver os outros como pessoas que nos querem bem.
Ao contrário, se nossas primeiras experiências são sofridas, na relação com as pessoas solidificamos a crença de que as pessoas, em princípio, são ruins e que nos farão mal.
A desconfiança, portanto é uma postura infantil, escondendo uma fragilidade e inferioridade de uma criança impotente e dependente de um mundo gigante e ameaçador. Desconfiança é medo. É ansiedade. É preocupação com o que pode nos acontecer. É até natural em uma criança desamparada essa forma de enxergar o mundo.
À medida, porém, que fôssemos crescendo, essa visão pessimista teria de ser substituída gradualmente por uma percepção mais realista: nem todas as pessoas são como aquelas de nossas primeiras experiências de relacionamento e já dispomos de mecanismos com os quais podemos nos defender, uma vez adultos e com autonomia.
De uma forma generalizada do bem ou do mal, migramos, pouco a pouco, para a realidade dualista do mundo, onde existem pessoas, incluindo nós, boas e más ou, então, ora boas ora más. A consequência principal desse modo de encarar as coisas é a necessidade de aprendermos a lidar com essa realidade em vez de, passivamente, temer o que pode nos acontecer.
O próprio conceito de confiança que nos foi passado nos distancia desse sentimento. Acreditamos, em geral, que confiar em alguém é ter “certeza” do seu comportamento futuro com relação a nós. Quem confundir confiança com “certeza” jamais poderá confiar, pois o amanhã do outro é um grande desconhecido até para ele mesmo.
Se a marca fundamental do homem é sua liberdade, jamais saberemos antecipadamente o comportamento de alguém. O desconfiado sofre pelo seu desejo de certeza. Não é a dúvida que nos enlouquece, mas a vontade de saber com antecipação o que ninguém pode saber.
Desconfiança é abrir mão de viver a realidade disponível no atual momento e tentar controlar o futuro. É um medo antecipado. A verdadeira confiança é desistir de toda e qualquer certeza e abrir o coração à verdade futura, seja qual for ela. A desconfiança é uma doença psicológica, que nos faz sofrer. O estado de confiança não é um favor que fazemos a alguém, a não ser a nós próprios, pois é um estado de paz, sossego, folga daquele que deixou o futuro para quando chegar.
Uma das formas para trabalharmos nossas desconfianças é aumentar nossa capacidade de estar presentes. A realidade é aquilo que percebemos no momento atual. Saboreá-la e lidar com ela é o caminho de não cairmos na tentação de vivenciar as possibilidades futuras.
Um dos filmes de que mais gostei até hoje foi “A sociedade dos poetas mortos”, que recomendo a todos, cujo personagem principal é o professor Keating, interpretado por Robin Williams. Uma das primeiras cenas do filme mostra esse personagem indo com todos os alunos até o saguão de uma escola onde estão os quadros de formatura de turmas anteriores.
– Vocês estão vendo estas fotos, meninos?, pergunta Keating.
– Os jovens que estão nesses quadros – continua ele – planejam revolucionar o mundo e transformar sua vida em algo magnífico. Isso foi há 70 anos. Agora, estão todos mortos. Quantos tiveram uma vida realmente feliz? Quantos realizaram seus sonhos?
Aí o professor inclina para o grupo e murmura para que todos o ouçam: “Carpe diem”. Aproveitem o seu dia. Vivam o presente.
Confiança é saber que somos limitados, que não podemos adivinhar o que está por vir, que jamais controlaremos todas as “possibilidades” e que nossa única saída é viver intensamente a realidade, seja boa ou ruim.