“Minha vida está muito difícil e sofrida: às vezes, penso em desistir. Já não sei o que fazer. As pessoas próximas me dizem que reclamo demais, mas os problemas não terminam nunca. Gostaria de sua ajuda”
Carmelita, de Belo Horizonte
A realidade humana é trabalhosa, cheia de altos e baixos. Limitados pela transitoriedade de tudo, pela necessidade de superação das dificuldades, pela nossa imperfeição, somos todos nós chamados a construir nossa própria vida, que não é fácil apesar de ser extremamente divertida.
Sempre teremos problemas a resolver, sempre teremos conflitos a serem superados, sejam conflitos com a doença, com as perdas, com o social, com o financeiro, com o caminho religioso etc.
Sempre teremos problemas a resolver, sempre teremos conflitos a serem superados, sejam conflitos com a doença, com as perdas, com o social, com o financeiro, com o caminho religioso etc.
É impossível a construção da existência sem suor e sem esforço. Ser feliz é sofrer o menos possível. Acontece que para fugirmos dessa realidade, aprendemos alguns mecanismos que não resolvem a questão, ao contrário, a torna mais penosa. O principal deles é a idealização de como o mundo deveria ser. A mente perfeccionista, ou seja, o desejo de que a vida fosse fácil, sem problemas e sem luta, é uma mente que pode nos dar um certo conforto temporário, mas que, mais cedo ou mais tarde, nos arremete para a frustração e a depressão.
A energia dispendida na reclamação sistemática, na queixa contínua, na resistência à realidade imperfeita de tudo mina nossa alegria e é desperdiçada. Nossas energias têm de ser usadas no aprendizado de como lidar melhor com as dores necessárias. Nos nossos delírios de onipotência, bancamos a vítima ou o herói. Na posição de vítima, quase que desistimos da nossa responsabilidade diante da vida.
Sentimo-nos injustiçados, colocamos a culpa de nossa incompetência em lidar com “os negativos” em tudo e em todos. Nós como bons e perfeitos, o mundo é que não presta. Ele que nos massacra e nada podemos fazer.
Sentimo-nos injustiçados, colocamos a culpa de nossa incompetência em lidar com “os negativos” em tudo e em todos. Nós como bons e perfeitos, o mundo é que não presta. Ele que nos massacra e nada podemos fazer.
Desistimos do prazer que a vida nos disponibiliza e nada fazemos para aumentar a competência emocional e queremos ser protegidos. É quase o uso da dor, da doença, da situação financeira, das separações como moeda de troca. A vítima parece gritar, com seus comportamentos de pobre coitada: Amem-me, ajudem-me, reconheçam-me porque estou sofrendo. É uma relação de submissão e acomodação. Ela não quer aprender a viver. Quer justificar seu pessimismo e controlar o sentimento das outras pessoas.
A posição de herói, embora aparenta ser o contrário da vítima não o é. Bancar o herói é querer dar conta de tudo, ser o máximo e conseguir, como a vítima, controlar e mudar o mundo para não sofrer. O herói é um revoltado, rígido e autoritário. Sempre em estado crônico de luta, se imagina poderoso e capaz de ser mais do que ele é. Inflexível, deseja submeter o mundo aos seus desejos, desafia as leis da realidade e quer ir além do possível.
Não reconhece sua fragilidade humana e finge ser Deus. Não pode fraquejar, não pode ceder, não pode chorar, não pode deixar, de vez em quando, a peteca cair, não pode assumir a sua semelhança humana com as outras pessoas. Enquanto a vítima tenta resolver seus problemas com a vida, fugindo da realidade, o herói possui um enfrentamento crônico, ensimesmado em uma força que só existe na sua fantasia de super-homem ou supermulher. Mais cedo ou mais tarde migrará para a postura da vítima.
Recebi há pouco tempo de um amigo uma história que ilustra brilhantemente esses comportamentos. Uma filha estava se queixando a seu pai sobre sua vida. Estava cansada de lutar, combater e queria desistir. Não se conformava com seus problemas. Seu pai, um chef de cozinha, levou-a ao fogão, encheu três panelas com água e colocou cada uma delas em fogo alto. Em uma, colocou cenouras, em outra colocou ovos e na última, pó de café. Deixou que tudo fervesse. A filha estava impaciente. Vinte minutos depois ele retirou as cenouras e as colocou em um prato. O mesmo fez do café.
Ele perguntou à filha: “O que você está vendo”.? “Cenouras, ovos e café”, respondeu ela. Ele pediu que ela experimentasse as cenouras. Ela notou que as cenouras estavam macias. Pediu que quebrasse o ovo e ela verificou que o mesmo endurecera com a fervura e finalmente pediu que ela tomasse um gole do café.
“O que você está querendo, pai”? Ele explicou que cada um daqueles elementos havia enfrentado a mesma adversidade, a água fervendo, mas que cada um reagia de maneira diferente. A cenoura entrara forte, firme e inflexível, mas depois de ter-se submetido à água fervendo amolecera e se tornara frágil. Os ovos eram frágeis – sua casca fina havia protegido o líquido interior, mas depois de terem sido fervidos, seu interior se tornara rijo. O pó de café, porém, era incompatível: depois de colocado na água fervente, havia mudado a água.
O pai perguntou para a filha: “Qual deles é você”? Você é como cenoura que parece forte, mas com a dor e a adversidade você murcha, torna-se frágil, perde sua força e desiste? Ou você será como o ovo que começa com um coração maleável, mas que depois de alguma perda ou decepção se torna mais duro, apesar de a casca parecer a mesma? Ou será que você é como pó de café, capaz de transformar adversidade em algo melhor ainda do que ele próprio?
Nós somos os responsáveis pelas nossas próprias decisões, cabe a nós somente decidir se a suposta crise irá ou não afetar nosso rendimento profissional, nossas relações, nossa vida. Em vez de reclamarmos das dificuldades, devemos saber que damos conta de resolvê-las. Todos temos competência e tenacidade para enfrentar os desafios. Nessa primeira semana, quando tomarmos um café, vamos lembrar da nossa capacidade de nos transformarmos diante da adversidade e assim ajudarmos também na transformação do mundo.