“Não concordo com a perda de minha vitalidade.Tenho 72 anos e não me sinto velha. Ajude-me.”
Joana, de Betim
Toda luta contra a realidade nos leva ao sofrimento. O que caracteriza a vida é a transitoriedade, a passagem. Ela é o essencial da existência e nela experienciamos a vitalidade humana, traduzida em fatos, sentimentos, ações e situações que se sucedem no tempo. Viver, portanto, é envelhecer. Não é à toa que no dia do nosso aniversário, dia sagrado do nosso nascimento, os amigos nos desejam “muitos anos de vida”.
Cumprir esse desejo maravilhoso dos que nos amam é envelhecer. Tenho percebido que há uma grande diferença entre envelhecer e ficar velho. Envelhecer é apenas seguir a trajetória natural do rio, fluindo no seu destino e no seu caminho. Nesse sentido, todas as pessoas estão envelhecendo: minhas netas, meus filhos, meus amigos, minha mulher, eu.
Ficar velho é resistir à passagem do tempo é querer o impossível: ser eterno, é desdenhar do transitório, querendo a permanência, a segurança, o definitivo. Ficar velho é lutar contra a realidade humana, cujo valor fundamental está no fato de que tudo passa e que tudo deve ser usufruído. Sempre gosto de repetir que a vida é para ser vivida e não para ser conservada. Não é o envelhecer que dói ou é ruim. O que nos provoca sofrimento é a ideia que temos do envelhecimento, é a resistência a esse processo, que, no fundo, é uma resistência à vida, à espontaneidade, à beleza do viver.
Outra consideração que poderá ajudar todos nós é que envelhecer é fácil, não depende de nós e, por isso todos envelhecemos, inclusive os animais. O difícil, e que é uma escolha, é o crescimento. O verdadeiro prazer da existência vem do desenvolvimento do nosso potencial.
Pessoas que fizeram um pacto com o crescimento e o aprendizado envelhecem felizes. Aqueles, no entanto, que optaram por observar passivamente a trajetória do tempo, cumprindo apenas o processo biológico, acabam se emaranhando nas teias da acomodação e do medo de morrer. A chave da felicidade é utilizar a vida, desenvolvendo os próprios talentos, ao invés de lamentar seu curso. A idade avançada não nos dá o direito de sermos rabugentos, de reclamar, queixar, acomodar ou justificar a pouca vontade de viver. O tempo é sempre nosso aliado e não nosso inimigo. Daí minha insistência no fato de que “hoje é o primeiro dia da nossa vida”, nos convidando à celebração e ao recomeço.
Aumentar a nossa competência de viver o momento presente é outro antídoto contra a ignorância ao envelhecer. Com a passagem dos anos, somos tentados a nos concentrar no passado, principalmente através da saudade e da culpa. Saudade das coisas boas e culpa pelas coisas ruins. Ou então no futuro, com medo da morte e das perdas.
Um velho sábio é o que aprendeu, mais do que ninguém, que a melhor forma de viver é viver no presente, no agora, apenas aprendendo com o passado e olhando em paz para o futuro. O velho estúpido é o que morreu ou está morrendo antes de morrer, e a melhor forma disso é fixar-se no retrovisor ou no amanhã.
No desenvolvimento humano é natural a perda da vitalidade física, dos movimentos, da saúde, da disposição para muitas coisas. O que não é natural é a perda da vitalidade emocional, espiritual, da esperança.
Fomos acostumados a enxergar a vida através da quantidade, e não da qualidade. Não importa quantos anos você já viveu. Importa como você está vivendo. E o que caracteriza a qualidade é a inteireza, a totalidade. Se vivermos com amor, crescendo, batalhando com intensidade, apesar de todos os limites, buscando a felicidade, há qualidade de vida.
Se, ao contrário, vivemos apenas para manter a vida, buscando segurança e estabilidade, e medindo quantos anos vivemos ou vamos viver, fomos contaminados pelo processo social do TER, da quantidade, o que nos traz medo e insegurança, porque, ainda que não queiramos, sabemos que a vida humana é finita e vai-se acabar. Já que vamos morrer, vivamos com entusiasmo e plenitude.
E, finalmente, podemos resumir toda a questão do sofrimento ao envelhecer no processo da autoestima. Como nossa sociedade é narcisista, baseada em imagens idealizadas, embarcamos no mito da beleza e da juventude, como se a imagem fosse mais importante que a vida presente no nosso corpo. Que diferença faz a idade, se meu coração está batendo, se estou respirando, se posso escutar os sons, apalpar o mundo e celebrar a vida? A felicidade está na forma de lidar com o mundo e não na perfeição. Autoestima é nos amarmos sem nenhuma exigência ou condição. É nos amarmos tal qual somos, com nossas fraquezas, nossas dificuldades, nossas rugas.
Quanto mais envelhecemos, mais gratidão deve povoar nosso coração, como ensinam as antigas tradições espirituais, pois que a idade avançada nos mostra apenas uma coisa: fomos os escolhidos de Deus para testemunhar, durante longo tempo, a vida que nos foi dada de graça. Vivê-la com graça e com sabedoria é o que temos de aprender.
Envelhecer é fácil. O difícil é crescer, aprender, amar, apesar do tempo...