Sou um homem negro e transexual. Frequentemente, passo por diferentes situações racistas e transfóbicas, principalmente em ambientes públicos. Algumas vezes, o “combo do mal” vem completo com pessoas querendo me tocar ou fazendo perguntas inconvenientes. Já escutei inúmeros tipos de piadas sobre minha aparência, isso quando não ocorrem tentativas de agressões físicas, simplesmente por ser quem eu sou.
Mas a situação mais recorrente em ambientes públicos é ter as pessoas me olhando fixamente, como se eu fosse um bicho no zoológico. As pessoas deixam de lado a educação e a empatia e me encaram fixamente por longos minutos mesmo vendo no meu rosto o constrangimento. É esse olhar que tenta tirar de nós nossa humanidade!
As pessoas esquecem que nós – os “diferentes”, as minorias – também somos pessoas e com sentimentos, preferências e história! Meu nome é Arthur Bugre, tenho 35 anos, sou formado em jornalismo pela PUC Minas e em história pela UFMG. Trabalho há mais de 10 anos em uma rádio e já recebi prêmios de reconhecimento da qualidade do meu trabalho. Tenho mãe, irmãos, sobrinhos, família, namorada e amigos... Sou uma pessoa com sonhos, medos, alegrias, defeitos e qualidades. Não sou um bicho exótico, sou um ser humano.
Até aqui, relatei situações que já me atravessaram ou que, infelizmente, ainda me atravessam. Mas existem outras diversidades e minorias no Brasil que passam situações parecidas ou até mais desumanas. Os dados que se repetem, ano a ano, reforçam isso:
O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo; pessoas LGBT sofrem mais com o desemprego e estão mais vulneráveis à violência doméstica; negros têm mais dificuldade de conseguir um emprego e recebem até 31% menos que brancos; mulheres ganham, em média, até 38% a menos que os homens no mesmo cargo, com o mesmo nível de escolaridade e a 'Shecession' (um neologismo que diz da recessão econômicas para as mulheres durante a pandemia) eleva desigualdade estrutural de homens e mulheres no trabalho, entre outros números que escancaram essa diferença.
E os danos provocados pela ausência de acolhimento e respeito à diversidade não param por aí. Nesse cenário, o sentimento cruel de não pertencimento só cresce. Ou seja, ter conexão com um grupo, uma organização ou um lugar muitas vezes é negado para quem faz parte dessa diversidade.
Quer um exemplo? Já perdi as contas das vezes em que frequentei lugares onde eu era a única pessoa negra ou trans e os olhares, falas e questionamentos preconceituosos foram implacáveis. E, com isso, em várias dessas situações, o sentimento de que aquele não era o meu lugar veio forte.
Muitas mulheres, pessoas com deficiência, integrantes da comunidade LGBT%2b e pessoas acima dos 50 anos, entre outras diversidades, já enfrentaram piadas, assédios e micro agressões no dia a dia. E muitas são testadas até o limite. E, diante disso, algumas acabam pedindo demissão, se isolam ou param de frequentar determinados lugares por não se sentirem pertencentes. Ou seja, existem diferentes formas de expulsar a diversidade dos ambientes.
Fica evidente que apesar de que, na teoria, a sociedade seja diversa – sendo composta por diferentes etnias, crenças, cores, gêneros e orientações sexuais, além de diferentes histórias e contextos de vida –, na prática, infelizmente, o Brasil ainda está engatinhando em relação ao respeito às diversidades e ações concretas de inclusão.
Mas um caminho já começou a ser trilhado. Nos últimos anos, principalmente a partir de 2019, grandes empresas têm lançado ações e programas para promoverem a diversidade no ambiente de trabalho. E não é à toa.
Algumas pesquisas já demonstram como a diversidade é essencial para promover engajamento entre os colaboradores, aumentando a criatividade, a produtividade e os lucros das empresas. Só para você ter uma ideia, o relatório “A diversidade como alavanca de performance”, da consultoria McKinsey&Company, mostrou que empresas que investem em diversidade de gênero em suas equipes executivas, por exemplo, são 21% mais propensas a ter lucratividade acima da média do que as empresas que não investem em diversidade. Com relação à diversidade étnica e cultural, os dados indicavam 35% de probabilidade de desempenho superior.
Por isso, muitas empresas buscam a diversidade. Dados do Instituto Ethos também reforçam a relevância da estratégia de investir em diversidade nos negócios: entre as 500 maiores empresas do Brasil, 7 a cada 10 já possuem treinamentos sobre diversidade.
Mas pavimentar o caminho da diversidade não acontece da noite para o dia. Tanto o racismo, o machismo, o capacitismo, a transfobia, a homofobia e tantos outros preconceitos são problemas sociais e estruturais, ou seja, foram alimentados durante séculos. Sendo assim, não é fácil desconstruir essas estruturas. Leva tempo e, para acelerar esses processos, são necessários investimentos reais e efetivos na promoção do respeito às diversidades.
Nessa coluna, como homem negro e trans, vou apresentar um pouco da minha vivência e reforçar como é importante criar lugares seguros paras as diversidades e minorias, principalmente no mercado de trabalho e ambiente profissional. Até porque não existe diversidade sem inclusão. Nessa estreia, quero deixar alguns questionamentos para você que está lendo essa coluna.
Como você trata a diversidade no seu dia a dia? No churrasco de família, entre seus colegas de trabalho, na sua roda de seus amigos e amigas? Como olha e fala dos seus vizinhos e vizinhas, principalmente aqueles e aquelas que, por exemplo, não têm a mesma crença, orientação sexual e raça que você?
Deixo aqui meu primeiro convite: faça uma leitura de como você olha as diversidades, as minorias. Eu sei que para muitos e muitas, admitir que, até de forma inconsciente, já reproduziram racismo, transfobia, capacitismo, machismo, e por aí vai, é algo difícil, mas essa atitude é essencial para entender como os preconceitos e discriminações são estruturais e como é importante buscar caminhos para desconstruir essas atitudes e comportamentos.
Além disso, quantas pessoas transexuais, por exemplo, você conhece que ocupam cargos de alta liderança dentro de diretorias e presidências de empresas? Ou então, quando você vai a um restaurante, você já parou para observar quantas pessoas negras estão no ambiente que não estejam trabalhando?
Esse é o meu segundo convite: passe a observar ao seu redor como a diversidade é tratada e quais espaços ela tem ocupado. Observe, principalmente, a ausência de diversidade em determinados espaços. Nesse processo, é importante reconhecer seus privilégios. E, como já disse Ricardo Sales, consultor de diversidade: “privilégio não é sobre culpa. É sobre responsabilidade”.
Para ter uma sociedade que realmente respeita e celebra suas individualidades e essência, muito mais que discurso, são necessárias ações práticas de acolhimento e respeito. Espero, por meio dessa coluna, poder te ajudar a refletir sobre esses assuntos e encontrar caminhos para desconstruir preconceitos e discriminações.