Um certo dia, eu estava saindo do Ambulatório trans de Belo Horizonte e resolvi passar rapidamente em uma pequena lanchonete. Logo em seguida, um senhor e uma senhora de mãos dados entraram no mesmo estabelecimento. Eles sentaram em uma mesa bem ao meu lado. Assim que colocaram os olhos em mim, o homem começou a rir alto e apontar o dedo em minha direção.
Ele estava rindo do meu cabelo, fazendo gestos que imitavam um macaco e fazendo piadas se eu era “menino ou menina”. Não demorou muito e a senhora também começou a rir. Me levantei, paguei minha conta, mas, antes de sair, me aproximei deles e perguntei porque eles tiveram aquela atitude, que mal eu tinha feito a eles. Eles ficaram bem sem graça na hora. Logo em seguida fui embora.
Como já relatei em outros artigos, infelizmente, para muitas pessoas é “natural” me tratarem dessa forma. Tenho o costume de dizer que uma ida até a padaria muitas vezes se torna um verdadeiro tormento.
E como eu também já disse, existem as minorias das minorias que passam situações ainda mais complicadas e dolorosas que essas. Humilhações, perseguições, apagamentos e até ameaças de agressão física e assassinatos. Imagina passar essas angústias, medos e pressões todos os dias só por ser quem você é? Não há saúde mental que aguente, não é mesmo?
E é óbvio que a sociedade não vai se transformar de uma dia para outro. Então, nossa luta continua! Nosso direito de ir e vir precisam ser respeitados. Nossas vidas precisam ser respeitadas. Então, é preciso muita resistência e o envolvimento de toda sociedade para as coisas mudarem de forma concreta.
Mas, enquanto os marcos civilizatórios não mudam, nós também precisamos respirar! Precisamos de Ilhas de Acolhimento! Esse termo nasceu depois que analisei profundamente como eu e outras minorias não precisamos ser fortes o tempo todo. Mas afinal o que são Ilhas de Acolhimento?
Mas, enquanto os marcos civilizatórios não mudam, nós também precisamos respirar! Precisamos de Ilhas de Acolhimento! Esse termo nasceu depois que analisei profundamente como eu e outras minorias não precisamos ser fortes o tempo todo. Mas afinal o que são Ilhas de Acolhimento?
As atitudes da minha mãe podem responder essa pergunta. É que minha atual namorada foi a primeira pessoa que fiz questão de levar em casa e apresentar para minha família. Mesmo a minha mãe, com mais de 70 anos na época e sendo evangélica há mais de 20 anos, foi muito compreensiva e tratou minha namorada super bem.
Mas como falar da minha identidade de gênero para a matriarca da família? Confesso que bateu uma insegurança no início e adiei essa conversa. Mas finalmente criei coragem e, no sofá da sala, expliquei que eu era uma pessoa trans e falei dos meus conflitos e dores diárias, chorei.
Mas como falar da minha identidade de gênero para a matriarca da família? Confesso que bateu uma insegurança no início e adiei essa conversa. Mas finalmente criei coragem e, no sofá da sala, expliquei que eu era uma pessoa trans e falei dos meus conflitos e dores diárias, chorei.
Minha mãe se levantou e me abraçou, disse que não precisava chorar, que estava tudo bem e que ela não iria me abandonar. Acredito que no fundo ela sempre soube. Minha mãe não me virou as costas. Ela sempre foi uma Ilha de Acolhimento para mim.
Isso também se estendeu aos meus irmãos. Quando uma família tem muitos filhos, os mais velhos são como pais para os mais novos. Eu, como caçula, sempre vi nos meus irmãos uma referência e eles sempre estiveram muito presentes na minha criação. Meus irmãos e irmãs também nunca me abandonaram, sempre foram Ilhas de Acolhimento. Isso inclui também meus cunhados, sobrinhos, sogra e sogro.
Meus amigos da adolescência, amizades que fiz no trabalho, amigos que a vida me trouxe, são pessoas que também me amam e me respeitam como eu sou. São Ilhas de Acolhimento.
O mesmo digo da minha namorada. Ela foi uma das primeiras pessoas que falei abertamente sobre ser um homem trans e está comigo em todos os momentos me apoiando e me abraçando. Ela é Ilha de Acolhimento para mim.
Sempre que estou com essas pessoas não preciso fingir ser quem eu não sou, não preciso fingir ser “branco”, não preciso fingir ser uma pessoa cis, não preciso me constranger ao falar sobre a dislexia que me acompanha. Não preciso ter medo da violência física ou emocional, nem do olhar zoológico ou de piadas sobre minha aparência.
Diante de tanto preconceito e discriminações que recebo por ser quem eu sou, principalmente em ambientes públicos, as pessoas que citei representam para mim acolhimento, demonstração de afeto, amor, respeito e inclusão. É isso: Quando falo de Ilhas de Acolhimento estou falando de inclusão!
E todos nós podemos ser Ilhas de Acolhimento. Quer exemplos?
- Para ser uma Ilha de Acolhimento, você primeiro precisa entender que a sua realidade muitas vezes não é a realidade do outro, e que a sua visão do outro não pode ser carregada de preconceitos e discriminações. Então sempre faça as seguintes perguntas: Como olho e trato as pessoas que não fazem parte da minha bolha? Quais são meus privilégios? Dá um pulo no artigo que escrevi sobre o assunto para entender mais sobre isso.
- Precisa tirar alguma dúvida sobre a vivência de uma pessoa que faz parte de minorias? Tente fazer uma pesquisa sobre o assunto em primeiro lugar e, quando for perguntar alguma coisa sobre essa vivência, faça de maneira respeitosa e, dependendo do assunto, o faça em particular. Por exemplo: Se você está na dúvida como usar o pronome correto de uma pessoa trans, pergunte de forma respeitosa e direta como essa pessoa prefere ser abordada. Uma comunicação aberta e gentil pode fazer a diferença. Mas, como já disse, não espere que essa pessoa te ensine tudo. Você também precisa ter a responsabilidade de buscar conhecimento mais aprofundado sobre o assunto. Pesquise!
- Em um determinado dia, minha namorada e eu fomos abordados por um homem na rua. Ele nos parou para falar que a vida que eu levo é uma aberração e que eu precisava me consertar com urgência. Nesse dia, eu contei: umas 7 pessoas saíram das lojas para ver o que estava acontecendo e ninguém falou nada para aquele senhor. Pelo contrário, alguns até tinham um sorriso no canto da boca. Então, eu te pergunto: se você presencia uma situação de preconceito como essa, qual é sua atitude? Você é aliado/aliada/aliade? Não fique só no discurso! Abra a boca, defenda essa pessoa! Por meio da ação, promova proteção e segurança para esses grupos.
- No churasco de familia, sempre rola piadas e situações constrangedoras que envolvem a exposição de pessoas negros, comunidade LGBT%2b, mulheres, pessoas com deficiencia e por ai vai? Não compactue com isso. Posicione-se! Em muitos casos, integrantes da sua família fazem parte desses ou outros grupos que são diversidade, minorias e estão, há anos, sofrendo com essas piadas e “brincadeirinhas” e você nunca percebeu. Seja uma Ilha de Acolhimento para essas pessoas.
- Saiba oferecer uma escuta atenta e acolhedora para seus amigos, parentes e familiares que desejam compartilhar algo das suas vivências. Muitas vezes, o preconceito e as discriminações atravessam a vida dessas pessoas e é difícil carregar tudo isso sozinho. Então, ofereça seu ombro.
Esses são alguns dos exemplos de como, na prática, você pode ser uma Ilha de Acolhimento para pessoas que fazem parte de diversidades e minorias. Mais do que ficar no discurso, é preciso demonstrar atitude, acolhimento, afeto, respeito e inclusão!
Espero de verdade que você também seja uma Ilha de Acolhimento!