Infelizmente, o Brasil é o país que mais mata pessoas transexuais no mundo, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Mas quais são os outros dados sobre a comunidade trans? Qual é a estimativa, por exemplo, de quantas pessoas trans existem no país? Quais são as principais demandas dessa comunidade? Existem algumas políticas públicas, programas ou projetos voltados para as pessoas trans?
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Um corpo negro e trans em ambientes públicos é lido como público O ambiente de trabalho também precisa ser uma Ilha de Acolhimento Como você trata pessoas que não fazem parte da sua bolha?Qual a relação entre o seu preconceito e o suicídio de pessoas trans?Por que há tão poucas pessoas negras em cargos de liderança?'Me chame pelo meu nome, respeite meus pronomes'E, na época, a resposta das três esferas governamentais foram muito parecidas: “Ainda não sabemos quantas pessoas trans existem em nosso território e ainda não criamos políticas públicas voltadas exclusivamente para a comunidade trans”.
Ou seja, o dado mais concreto que o Brasil tem sobre a comunidade trans é o número de homicídios por ano. Além disso, o importante “Dossiê dos Assassinatos e da Violência Contra Pessoas Trans Brasileiras”, da Antra, é uma iniciativa civil, ou seja, sem a participação dos governos.
É isso mesmo que você entendeu. Até o momento não existem estudos e pesquisas oficiais que apontem, por exemplo, quantas pessoas trans existem no Brasil! É como se nós não existíssemos oficialmente. Um verdadeiro apagamento oficial.
E diante disso, quais são os graves problemas que nascem dessa ausência de dados?
Vamos lá: além das violências físicas e psicológicas, a população trans ainda precisa lidar com outras graves violações de direitos humanos, como falta de acesso a direitos básicos. Por exemplo, você já parou para pensar como é o acesso e o atendimento de pessoas trans no sistema de saúde?
Durante a produção dessa reportagem especial, tive a oportunidade de conversar com algumas mulheres trans e travestis. Uma delas revelou que, por enfrentar vários constrangimentos em consultórios médicos, passou a evitar ao máximo ir a consultas. Ela revelou que, em determinada ocasião, mal tinha entrado no consultório e, antes mesmo de abrir a boca, a médica foi logo fazendo um pedido de exames para infecções sexualmente transmissíveis.
Confesso que, como homem trans, as únicas consultas médicas que vou sem medo de constrangimentos são as realizadas no Ambulatório Trans de Belo Horizonte que são oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Lá, toda equipe é preparada e o atendimento é humanizado. Mas, infelizmente, nem toda cidade ou estado possui um ambulatório trans.
O despreparo e a transfobia afastam essa população do atendimento à saúde. Sem falar naquelas pessoas trans que estão em extrema vulnerabilidade e não conseguem acessar o sistema de saúde de nenhuma maneira.
A transfobia também afasta as pessoas trans das escolas e faculdades. Muitas e muitos não conseguem frequentar as instituições de ensino por conta das agressões verbais, que muitas vezes vêm disfarçadas de “brincadeiras” por parte dos colegas.
Em muitos casos, o nome social e pronomes não são respeitados dentro de sala de aula. Fora o nítido despreparo e a falta de informação sobre o que é o nome social por parte de professores e diretores.
Da forma como a educação brasileira foi construída, um corpo que é dissidente não pode ocupar um espaço educativo. Quem ousa tentar é perseguido, humilhado, feito de chacota e, em muitos casos, até agredido. E isso tudo resulta em um alto índice de evasão escolar entre pessoas trans. Só para você ter uma ideia, de acordo com estudo da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), cerca de 82% da população trans sofre com evasão escolar.
Além disso, segundo dados do Projeto Além do Arco-Íris, da AfroReggae, apenas 0,02% dos trans estão na universidade. 72% não possuem o Ensino Médio e 56% não concluíram o Ensino Fundamental.
Diante de tantas violações de direitos, falta de acesso à educação, saúde e segurança pública, você pode pensar: Então é necessário criar políticas públicas que atendam essa população.
Mas como isso pode ser feito se não existem dados oficiais concretos sobre a comunidade trans no Brasil?
Para criar as primeiras ações oficiais para reduzir as negações de direitos que desrespeitam nossas vivências é necessário o comprometimento do poder público em investir em pesquisas sobre nós, nossas principais demandas e traçar estratégias para execução dessas ações.
A ausência de dados oficiais sobre a comunidade trans no Brasil reforça a falta de compromisso que as autoridades públicas têm com essa população e diz muito sobre a tentativa de apagamento dos nossos corpos e vivências.