Como você se chama? Em algum momento da sua vida seu nome já foi desrespeitado, negado? No final de 2019, fiz a primeira movimentação para utilizar o meu nome social nos documentos funcionais e registros internos e externos nos meus empregos. Os líderes mais próximos e colegas de trabalho me apoiaram na mesma hora.
Leia Mais
As violações de direito que nascem da transfobia e ausência de dados Um corpo negro e trans em ambientes públicos é lido como público O ambiente de trabalho também precisa ser uma Ilha de Acolhimento Qual a relação entre o seu preconceito e o suicídio de pessoas trans?Por que há tão poucas pessoas negras em cargos de liderança?Continuei com a minha luta e busquei a orientação de um Defensor Público. Afinal, era meu nome que estava sendo desrespeitado. Apenas em julho de 2020 que a empresa em que eu trabalho me liberou. E toda essa espera foi muito desgastante, ainda mais porque sabia que não estava pedindo um favor.
O decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016, garante o direito ao uso do nome social e reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Ou seja, a pessoa travesti ou transexual tem o direito de indicar por qual nome é socialmente reconhecida. E isso não foi respeitado por essa alta liderança.
Muitas pessoas trans passam por isso e não só no ambiente de trabalho. Quando seus nomes são anunciados no consultório médico, durante a chamada nas escolas e universidades, esse constrangimento se repete. Mas, de uma maneira geral, é bom apontar alguns avanços nesse quesito no Brasil.
Antes mesmo da decisão do Supremo Tribual Federal em 2018, que permitiu que transexuais e transgêneros possam alterar seu nome no registro civil sem a necessidade de realização de cirurgia de redesignação de sexo, o nome social passou a ser adotado e respeitado por algumas entidades em documentos, correspondências, acessos e crachás. Foi o caso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), dos Conselhos Federal e Regionais de Psicologia, de algumas universidades e órgãos públicos, além da Administração Pública Federal.
Mas a experiência que relatei demonstra que, mesmo diante de decretos e da decisão do STF, muitas vezes nossos nomes são desrespeitados sem cerimônia.
E muitas pessoas não percebem a gravidade disso. Segundo o Artigo 16 do Código Civil, toda pessoa tem direito ao nome. Mas, quando se trata de pessoas trans, isso vale mesmo? Não é possível mensurar as dores e gatilhos que surgem do desrespeito e pouco caso o nome social. Quando isso acontece, além das dores internas que a falta de identificação com o nome já gera na pessoa trans, ela ainda precisa brigar para instituições privadas e públicas respeitarem seus nomes.
E, infelizmente, a negação desse direito básico também está no nosso dia a dia. Mesmo com meu nome já retificado no cartório, ainda é muito frequente parentes, colegas de trabalho, vizinhos e conhecidos insistirem em me chamar pelo nome falecido ou pronomes que não são os meus, mesmo explicando de diferentes formas que isso não é correto.
Talvez você pode pensar: “Mas você precisa ter paciência, as pessoas vão demorar mesmo para se adaptar". Então, vamos lá: Até entendo que aqueles que já convivem comigo há décadas tenham mais dificuldade. Mas isso não pode ser justificativa para não mudar.
Em alguns momentos já escutei frases como “Te conheci assim, então vou continuar te chamando assim, já decidi, não vou mudar”. Grande erro! Essa decisão não é sua! Já ouviu falar em direitos da personalidade? De forma resumida, são aqueles direitos que preservam a individualidade de cada pessoa e são classificados pela doutrina em três grupos: direito à integridade física, à integridade psíquica e à integridade moral. Ter um nome e esses pronomes respeitados fazem parte desses direitos da personalidade.
Só para você ter ideia, até pessoas que já me conheceram como Arthur Bugre, ainda insistem em desrespeitar meus pronomes. Sou um homem trans e nunca me identifiquei com o nome antigo. Como posso passar toda minha vida sendo chamado por algo que só me causava dor, angústia e total falta de identificação? Agora me diz: existe justificativa para isso continuar, mesmo sabendo que isso prejudica nossa saúde mental? Quando o nome social de uma pessoa trans é negado ou desrespeitado, também é uma forma de desumanização.
Deixo aqui algumas dicas de como respeitar o nome social e pronomes de pessoas trans no dia a dia: Se você ainda não sabe como uma pessoa deseja ser chamada, faça as seguintes perguntas de forma gentil e direta: “Qual é o seu nome/como deseja que te chame? E quais são seus pronomes?”.
Se durante uma conversa você errar, não precisa pedir um milhão de desculpas. Apenas se desculpe uma vez. Em seguida, faça a correção para o nome ou pronome correto e preste mais atenção para não errar de novo e siga a conversa. Não fique justificando porque você errou, isso só aumenta nosso constrangimento.
Falando em justificativas, já escutei muito a seguinte frase: “tenha paciência, eu errei, mas estou no processo de desconstrução, isso não é fácil para mim”. Certo, concordo que deixar preconceitos, mudar de atitude e comportamento não são tarefas fáceis, mas são necessárias! Imagine só, se pra você é difícil fazer o exercício da empatia e se esforçar para não errar mais, imagina para nós, minorias que enfrentamos diferentes barbáries diariamente. Nem mesmo um direito tão básico de ter nome e os pronomes são respeitados e ainda precisamos escutar ano após ano que você está "se desconstruindo ainda”? Quando você vai demonstrar mais empatia na prática? Só em 2090?
Essa dica é muito, muito importante: “Arthur, qual era seu nome antigo?”.
NÃO FAÇA ESSA PERGUNTA! Como já falei, para muitas pessoas trans o nome falecido já gerou muito desconforto, dor, constrangimento e traumas. Não vou ressuscitar algo que já gerou tanto peso na minha vida para satisfazer sua curiosidade.
Meu nome é Arthur Bugre. Meus pronomes são Ele, Dele. Me chame pelo meu nome, respeite meus pronomes.