Há alguns anos, fui trabalhar durante um feriado e, para entrar na empresa, era necessário passar por um vigia. Ele pediu meu documento e perguntou se eu era funcionário da lanchonete. Expliquei que era jornalista e que trabalhava em uma rádio. Ele me olhou de cima a baixo e perguntou de novo: “você trabalha na lanchonete?!”.
Volta e meia, outros colegas de profissão, infelizmente, também passam por isso. Nessa semana, o repórter esportivo Luiz Teixeira, da Rede Globo, usou as redes sociais para denunciar um caso de racismo durante o credenciamento de um jogo.
'O jornalista relatou que foi ''questionado'' sobre a sua função: ''mais uma vez fui 'questionado', no credenciamento de um jogo, se eu era câmera ou auxiliar, mesmo sendo o único repórter de campo e com a roupa da transmissão. Não fiz nem seis meses de TV Globo e perdi as contas de quantas vezes isso já aconteceu. É duro aceitar um repórter negro?'', escreveu no Twitter.'
O jornalista relatou que foi "questionado" sobre a sua função: "mais uma vez fui 'questionado', no credenciamento de um jogo, se eu era câmera ou auxiliar, mesmo sendo o único repórter de campo e com a roupa da transmissão. Não fiz nem seis meses de TV Globo e perdi as contas de quantas vezes isso já aconteceu. É duro aceitar um repórter negro?", escreveu no Twitter.
"Todas as funções são essenciais e importantes para uma transmissão de TV acontecer. TODAS! Mas ser sempre o 'confundido' gera um desgaste grande e pra mim NUNCA será normal, principalmente por saber o real motivo do 'deslize' e por ver que o 'procedimento padrão' só serve pra um", acrescentou.
Mas se você acha que essas são exceções, proponho que faça um exercício rápido: Você vai se consultar pela primeira vez com um/uma cardiologista. Quais as características físicas você acredita que esse profissional possui? Para muitos pessoas, automaticamente vem à cabeça a imagem de um homem, branco e cis.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as pessoas negros representam mais de metade (56%) da população brasileira. Diante disso, o que leva as pessoas a naturalizarem a ausência de pessoas negras em postos de destaque? Por que, em diferentes situações e momentos da minha vida, me deparo com pessoas duvidando, estranhando ou questionando se realmente sou jornalista, estudante de pós-graduação e palestrante?
O racismo estrutural é a resposta. Ele se manifesta de diferentes formas, uma delas é criando barreiras para pessoas negras não ocuparem pontos de destaque e tomadas de decisão. Só para você ter uma ideia, menos de 5% dos altos cargos nas empresas são ocupados por pretos ou pardos, de acordo com a pesquisa realizada pela consultoria Talenses em parceria com o Insper. É possível perceber essa segregação até dentro do cinema nacional.
'O que leva as pessoas a naturalizarem a ausência de pessoas negras em postos de destaque? Por que, em diferentes situações e momentos da minha vida, me deparo com pessoas duvidando, estranhando ou questionando se realmente sou jornalista, estudante de pós-graduação e palestrante?'
Dos 142 longas-metragens lançados em 2016, 75,4% foram dirigidos por homens brancos. Nenhum de todos esses filmes foi dirigido ou teve como roteirista uma mulher negra. Os dados são da Agência Nacional de Cinema (Ancine). Ainda de acordo com a Agência, em 75,3% dos longas nacionais, os negros são, no máximo, 20% do elenco.
Com o passar dos anos, essa ausência e falta de representatividade da comunidade negra em lugares de protagonismo infelizmente foi naturalizada.
Silvio Almeida, advogado, filósofo e professor universitário, explica em seu livro "Racismo Estrutural", que o racismo é sempre estrutural, ou seja, integra a organização econômica e política da sociedade brasileira. Além disso, em seu livro, ele explica como desde os primórdios o racismo foi fortalecido pelas teorias filosóficas, jurídicas e científicas no Brasil. Ou seja, não é possível combater o racismo sem entender que ele é estrutural.
Esse é um assunto que também vou abordar em outros artigos, mas aqui deixo algumas perguntas que você pode refletir sobre as manifestações do racismo estrutural no seu dia a dia:
- Qual é a cor dos diretores e presidentes da empresa que você trabalha?
- Quantas atrizes e atores negros são protagonistas em suas novelas ou séries favoritas?
- Quantos cantores sertanejos negros de sucesso você conhece?
- Quantos profissionais da arquitetura e dentistas negros e negras você conhece?
- Qual é o imaginário das elites brasileiras em relação às pessoas negras?
- Perguntas como essas são fundamentais para ajudar a refletir sobre a relação entre corpos e vivências negras e postos de destaque e de protagonismo.