Durante esse período de pandemia de COVID-19, você se sentiu ansioso, triste, preocupado? Agora, imagine como essa crise sanitária prejudicou ainda mais a saúde mental de quem tem depressão, ansiedade ou transtorno bipolar, por exemplo. Por meio das vivências de minha esposa, vejo esses impactos de perto.
Mas antes de falar sobre isso, preciso fazer a seguinte pergunta: você sabe o que é neurodiversidade? Esse conceito se refere às diferenças neurológicas de cada indivíduo em relação à socialização, ou seja, as pessoas neuroatípicas (que também podem receber o nome de neurodivergentes ou neurodiversas), muitas vezes pensam e agem sem seguir o “padrão” que a sociedade elegeu.
O conceito foi criado pela socióloga Judy Singer, no fim dos anos de 1990. O Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e a dislexia fazem parte da lista da neurodiversidade. Além disso, alguns especialistas também incluem nessa lista depressão, ansiedade e transtorno bipolar, entre outros.
Como já falei em outro artigo, sou disléxico, mas, aqui, quero falar a partir da minha experiência de ser casado com uma pessoa que tem depressão crônica, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno de personalidade. De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde, quase 1 bilhão de pessoas têm algum distúrbio psicológico. Ou seja, aproximadamente, um em cada sete indivíduos no mundo.
Sara e eu iniciamos nosso namoro em 2018 e, até então, não tinha relação tão próxima com uma pessoa com transtornos psicossociais. Lembro bem da primeira crise que eu presenciei. Foi logo nos primeiros dias de namoro. Não sabia o que fazer, como ajudar e também não sabia o que falar depois da crise. Com certeza, nesse processo errei, e errei muito, na forma de lidar com tudo. Mas, com o passar do tempo, compreendi que era necessário entender mais sobre as questões de saúde mental que faziam parte da vida dela.
Então, fui a fundo procurar informações qualificadas. Passei a ler mais sobre o assunto, encontrei pesquisas, livros, artigos e de palestras. E, claro, a incentivei a buscar ajuda profissional psicológica e psiquiátrica. E também intensifiquei minhas idas à terapia (se cuidar também é muito importante).
De cara, esse processo me mostrou o quanto já pratiquei a psicofobia mesmo sem perceber. Ou seja, o quanto já fui preconceituoso com pessoas que possuem transtornos psicológicos, sobretudo contra pessoas que possuem ansiedade e depressão. Já fiz muitas piadas, comentários desnecessários e pejorativos sobre o assunto.
Infelizmente, os transtornos mentais ainda são cercados por estigmas. Muitas vezes, esse assunto ainda gera sentimento de vergonha e é “proibido” em muitas famílias, nas rodas de amigos e no ambiente de trabalho. A sociedade ainda não fala abertamente sobre depressão, ansiedade e, muito menos, sobre suicidio.
Frases como essas ainda são muito comuns: “depressão é falta de Deus“, “ansiedade? Isso é coisa de gente fresca”, “na minha geração não tinha isso, crise de pânico é apenas um chilique”, ou então “depressão não é doença, é preguiça”. Além disso, muitas pessoas também acreditam que a violência é algo inerente em pessoas neurodiversas.
Segundo a pesquisa ”Violência e doença mental: fato ou ficção?” do professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Wagner Gattaz, 93% das pessoas com transtorno mental não são violentas e 95% dos homicídios são cometidos por pessoas que não sofrem de transtornos mentais.
O que as pessoas não percebem é que, no final das contas, toda essa psicofobia só prejudica ainda mais a saúde mental de quem já tem transtorno psicológicos. A falta de diálogo aberto sobre o assunto só fortalece inverdades, desinformações e atrasa ainda mais a criação de ações práticas na promoção da saúde mental no Brasil.
Além disso, a vergonha, a discriminação e a falta de compreensão são fatores que afastam pessoas com transtornos psicológicos de procurarem ajuda de profissionais e de tomarem medicamentos como antidepressivos, antipsicóticos e estabilizadores de humor receitados pelos psiquiatras.
Não sou um profissional da saúde mental, mas é evidente que a psicofobia enfraquece as ações de prevenção ao suicídio também.
De uma forma consciente e até inconsciente, minha esposa me ensinou a falar abertamente sobre saúde mental e também a buscar mais informações sobre o assunto. Ela também me autorizou a compartilhar algumas das vivências dela aqui e me incentivou a falar sobre os perigos da psicofobia.
Nesse Setembro Amarelo, é imprescindível nos comprometer em desconstruir estereótipos e estigmas sobre saúde mental.