Banzo. Essa era uma expressão usada pelos africanos escravizados no Brasil que não só representava suas tristezas, mas também um estado de depressão por estarem longe da terra natal, pela privação da liberdade e pelos castigos sofridos. Segundo os historiadores, banzo tem uma ligação com a língua quimbundo mbanza, e remete a “aldeia”, “saudade da aldeia”. Além disso, diferentes pesquisadores apontam que banzo é uma palavra usada para categorizar a “morte voluntária” entre os escravizados.
Segundo ela, essa fórmula foi muito usada no século XIX para encobrir a natureza violenta da relação entre escravizados e senhores. Ou seja, uma série de fatores compõem a história do banzo. Entre elas estão os debates políticos sobre o cativeiro, as violências físicas e psicológicas, além das negligências que os senhores de escravizados promoviam.
'Imagine a dor e desespero! Alguns historiadores apontam que o índice de 'mortes voluntárias' entre os escravizados, era duas ou três vezes mais elevada que entre os homens livres, e, em geral, atribuído ao banzo.'
O tráfico negreiro para o Brasil começou por volta de 1535. Então, por mais de 300 anos a barbárie, os abusos, a tortura e a falta de empatia feriram, adoeceram, separaram famílias, mataram e destruíram a dignidade e a alma de milhões de pessoas negras que aqui foram escravizadas nesse período. Imagine a dor e desespero! Alguns historiadores apontam que o índice de “mortes voluntárias” entre os escravizados, era duas ou três vezes mais elevada que entre os homens livres, e, em geral, atribuído ao banzo.
Infelizmente, mesmo depois de mais de 130 anos do fim da escravidão, toda essa estrutura racista ainda reverbera em nossos dias. Vemos isso na negação de direitos para a comunidade negra como a falta de acesso à saúde, segurança, moradia, trabalho, justiça, direito de ir e vir, direito à educação, entre outros serviços. Sem falar no Estado que é omisso quanto às violências e excessos promovidos pela polícia contra a comunidade negra.
Ai eu te pergunto: Como fica nossa saúde mental no meio de tudo isso? Com certeza muito fragilizada e exausta.
O Brasil é o país com maior índice de ansiedade no mundo e o segundo nas Américas em relação ao índice de depressão. E, claro, as diferentes manifestações do racismo estrutural influenciam essa triste colocação do país.
Só para você ter uma ideia, uma pesquisa do Ministério da Saúde em parceria com a Universidade de Brasília (UNB), divulgada em 2019, revelou que jovens negros do sexo masculino entre 10 e 29 anos são os que possuem o maior risco cometer suicídio. A probabilidade de autoextermínio nesse grupo é 45% maior do que entre jovens brancos na mesma faixa etária.
Desde a infância escutamos “piadas e brincadeiras” racistas, comentários e músicas pejorativas, sentimos desde muito cedo a dor da rejeição, sem falar das perseguições e humilhações de teor racista. Sejam manifestações diretas ou mais veladas e sutis. Em um país como o nosso, essas ações são acumulativas e produzem estresse, traumas, mágoas e frustrações. E tudo isso pode ser um dos gatilhos para um possível quadro depressivo.
'não vejo um número elevado de influenciadores digitais negros tendo seus trabalhos reconhecidos nas redes sociais, como acontece com os jovens influenciadores brancos'
Falo sem medo de estar errado: mais da metade da comunidade negra que hoje está na fase adulta em diante cresceu com a ausência da representatividade. Tenho 35 anos, durante minha pré-adolescência e adolescência, não vi jovens negros sendo retratados em capas de revistas. Não vi e ainda não vejo um número elevando de atrizes e atores negros com destaques em novelas, filmes ou séries. Também não vejo um número elevado de influenciadores digitais negros tendo seus trabalhos reconhecidos nas redes sociais, como acontece com os jovens influenciadores brancos.
Lembro bem dos olhares, das piadas e do desprezo que recebi na infância e adolescência por ser uma pessoa negra e como isso me doeu e também impactou minha autoestima ao longo da vida. Durante muito tempo, eu via como defeito minha identidade racial. Sem citar as diferentes situações discriminatórias que ainda passo hoje.
Essas “piadas, brincadeiras" ou comentários e humilhações não podem ser encaradas como algo natural e inofensivo. Segundo o estudo do Ministério da Saúde, essas situações racistas podem gerar entre outras coisas:
- Falta de sentimento de pertença
- Sentimento de não lugar
- Sentimento de inferioridade
- Sentimento de rejeição
- Negligências
- Maus tratos
- Abuso
Como eu falei, essas atitudes racistas são cumulativas e podem deixar marcas profundas na autoestima. E mais, elas não nasceram ontem ou aleatoriamente. Lembra do banzo que citei no início deste artigo? O racismo de nosso dia a dia é um legado das barbáries alimentadas durante a escravidão (com as particularidades da época) e repaginadas e fortalecidas após 1888. Dessa forma, não tente diminuir nossa dor ou calar nossa voz dizendo que é “apenas mimimi”. Essas ações nocivas são alguns dos frutos do racismo estrutural.
' É necessário saber ler os contextos das desigualdades, preconceitos e discriminações históricas e como isso afeta sobretudo o sofrimento psíquico da comunidade negra.'
Hoje é a última sexta do Setembro Amarelo e quero ressaltar a urgência da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, criada em 2009, que leva em conta a saúde mental da comunidade negra. É necessário saber ler os contextos das desigualdades, preconceitos e discriminações históricas e como isso afeta sobretudo o sofrimento psíquico da comunidade negra. Diante de dados tão alarmantes, já passou da hora do suicídio entre os jovens negros no Brasil ser encarado como questão de saúde publica na prática.