Em 2017, antes mesmo de verbalizar minha identidade de gênero, já me vestia da forma que me sinto à vontade e me identifico, e também meu cabelo já estava bem curtinho. Já naquela época sentia o peso dos olhares preconceituosos de algumas pessoas.
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Racismo pode ser gatilho para saúde mental de pessoas negras Você sabe o que é psicofobia?Um mergulho dentro de mim: como o autoconhecimento ajudou minha jornadaComo a alta liderança lida com a promoção da diversidade e inclusão? Como é a relação entre alta liderança e promoção da diversidade e inclusão?Você sabe o que é diversidade cognitiva? Racismo na infância: preconceito interfere na autoestima de crianças negrasDe cara gostamos do lugar: comida muito boa e ótima piscina. Mas não demorou muito para perceber a forma como alguns colaboradores do hotel me olhavam e me tratavam. Alguns me encaravam e davam risadas. Outros, em grupos de 3, 4, chegaram a apontar o dedo em minha direção, sem falar das piadas que escutei.
Por ser um lugar que recebe tantas pessoas, além do constrangimento, a sensação que tive é que, até então, esses colaboradores nunca viram um corpo dissidente e que para eles eu era um ser de outro planeta.
Talvez meus amigos não perceberam, mas para quem passa por essas situações é quase impossível não entender o que está acontecendo.
Depois de muita pesquisa e orçamentos (não tem ninguém rico aqui), a decisão de ir para esse hotel fazenda, como eu disse, foi justamente para tentar relaxar. Então, como é possível ter sossego ou me sentir confortável passando por situações tão desconfortáveis como essas promovidas pelos próprios colaboradores do hotel?
Como qualquer outro hóspede, eu também merecia ser respeitado como eu sou, o que me foi negado.
Já em 2019, estava de férias e fui passar três dias em Sete Lagoas com minha esposa. Naquele período ainda não tinha retificado meu nome, mas já usava meu nome social. Quando chegamos ao hotel fomos preencher a ficha na recepção. No papel não existia espaço para sinalizar nome social, mesmo assim escrevi meu nome e em parentes sinalizei: (Nome social).
Como acontece normalmente, o rapaz que trabalhava na recepção pediu nossas identidades. Entreguei, e como o RG ainda não estava retificado, ele olhou para o documento e para a ficha com uma cara de confuso. Então expliquei que eu era um homem trans e preferia ser chamado pelo meu nome social. Ele fez cara de mais confuso ainda.
O recepcionista falou que não sabia o que era nome social e por longos 30 minutos tentei explicar o que era. Em vão, ele não entendeu. Por fim, por conta da troca de turno entre os funcionários, chegou outro recepcionista. Esse já fazia parte da comunidade LGBT%2b e, assim que percebeu o que estava acontecendo, assumiu meu atendimento e em menos de dois minutos resolveu tudo. Sem falar do atendimento gentil e educação que ele ofereceu.
Hoje, já existem pesquisas que mostram como a comunidade LGBT passa por diferentes preconceitos e constrangimentos quando vão procurar atendimento à saúde, algo que também vou trazer em artigos futuros. Mas levando em conta as devidas diferenças, a comunidade LGBT , principalmente a trans, muitas vezes também passa por algo parecido diante de equipes de atendimento e recepção do setor de turismo, como por hotéis, pousadas e restaurantes. Isso, seja pelo despreparo, falta de informação ou maldade mesmo.
“Vocês têm certeza que é uma cama de casal? Não seriam duas de solteiro?” Infelizmente casais LGBT escutam muitas frases como essas quando vão solicitar um único quarto ou cama de casal em hotéis e pousadas. Alguns estabelecimentos chegam a cancelar ou até expulsar integrantes da comunidade. Fora os casos em que o cliente é maltratado, alvo de piadas e comentários maldosos durante toda a estadia por ser LGBT .
Todas as empresas, de alguma forma, necessitam manter contato com seus clientes, seja pelas redes sociais, sites ou no atendimento presencial. Esse atendimento precisa ser qualificado, respeitoso, acolhedor e seguro. E, em áreas como o da hotelaria, o atendimento e recepção fazem parte do pacote da experiência do cliente.
Mas como relatei acima, muitas empresas, grandes ou pequenas, não têm compromisso real com respeito à diversidade. Muito pelo contrário. A sensação que dá é que nosso dinheiro é bem vindo, mas não nossos corpos dissidentes e vivências diversas não.
Quando diante de clientes/hóspedes, colaboradores têm comportamentos preconceituosos ou que geram constrangimento, é um sinal que a empresa investe pouco ou quase nada em diversidade e inclusão (D&I). Situações assim não podem ser vistas como algo isolado, mas sim como um alerta que algo mais profundo e estrutural está presente nessa empresa.
Ou seja, antes de falar sobre o relacionamento com clientes LGBT , vamos dar 3 passos para trás. Por exemplo, você tem uma empresa do ramo da hotelaria? Em relação a D&I, qual é o panorama realista da empresa? A diretoria e presidência tem intencionalidade em investir em D&I?
Quanto de diversidade existe entre os integrantes que compõem a liderança e o quadro de colaboradores? Existe investimento real em palestras, treinamentos e mentorias para conscientizar colaboradores e lideranças sobre a D&I? Toda a equipe já iniciou o processo de desconstruir atitudes e comportamentos machistas, transfóbicos, homofóbicos e racistas, entre outros? Essas equipes sabem o que é o capacitismo? Além disso, os colaboradores que são diversidade são valorizados e acolhidos?
Esse raio-x demonstra muito se as empresas têm realmente compromisso com a D&I. O que acaba reverberando também na forma como tratam seus clientes diversos.
Além de ser uma estratégia de responsabilidade social, investir na promoção da diversidade e inclusão também é uma estratégia de negócios e nesse quesito muitas empresas do ramo do turismo estão saindo no prejuízo por não investiram efetivamente em D&I.
Só para você ter uma ideia, segundo dados da Organização Mundial do Turismo (OMT), o público LGBT corresponde a 10% dos viajantes do planeta. Só nos Estados Unidos estima-se que o setor movimente cerca de US$ 65 bilhões. E o gasto desses turistas é, em média, 30% maior.
O turismo LBGT registrou alta de 11% no Brasil em 2017, contra 3,5% no turismo de modo geral, segundo pesquisa realizada pelo Sebrae com a Associação Brasileira de Turismo LGBT e a revista ViaG. Além disso, de acordo com dados da pesquisa LGBT Travel Market, da Consultoria Out Now/WTM, no Brasil o setor movimentou US$ 26,8 bilhões em 2018. E não se engane: a comunidade LGBT não viaja apenas para participar de paradas do orgulho. Ela também viaja em busca de experiências únicas e momentos de sossego, como qualquer outra pessoa.
É claro que, de olho nessa grande movimentação, algumas empresas do ramo do turismo já investem em diversidade e inclusão. Além de programas internos de D&I, elas também investem em fóruns e ações externas. Mas elas são minoria ainda. Agora, me diga: como pode uma comunidade movimentar tanta grana com turismo e ainda passar por situações como as que relatei no início deste artigo em hotéis, pousadas, restaurantes e em outros estabelecimentos que compõem toda a experiência de uma viagem?
Vale lembrar que ainda estamos no meio de uma brutal pandemia de Covid-19. Mas, com o avanço das aplicações das vacinas, os contínuos cuidados com a higiene e a utilização da máscara, daqui um tempo a pandemia será controlada e será possível voltar a viajar, o que irá aquecer novamente o setor de turismo. A expectativa segundo a Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (BRAZTOA) é que o setor tenha uma recuperação no primeiro semestre de 2022. Para esse período, é estimado que haja o retorno de pelo menos 30% do faturamento médio.
Sendo assim, fica a pergunta: as lideranças e as equipes de colaboradores de hotéis, pousadas e restaurantes, entre outros estabelecimentos do ramo do turismo realmente sabem respeitar e acolher a comunidade LGBT ? Por exemplo: Sabem o que é nome social? Sabem da importância de se respeitar nomes e pronomes de pessoas trans?
Pensando nisso, separei algumas ações de D&I que as empresas do ramo podem adotar, com foco na comunidade LGBT , que podem ajudar a oferecer um atendimento mais acolhedor e respeitoso para todas, todes e todos:
Ofereça palestras e treinamentos para a liderança e para todo o quadro de colaboradores sobre D&I. Entre as temáticas:
Comunidade LGBT e o mercado de trabalho - Antes mesmo de explicar as diferenças entre identidade de gênero e sexualidade, busque conscientizar, humanizar e educar sobre a vivência da população LGBT no Brasil e no mercado de trabalho. Apresente dados e, sobretudo, relatos de integrantes da comunidade sobre o assunto.
Ambiente de trabalho e o quadro de colaboradores LGBT - Conscientizar e educar sobre o respeito aos direitos LGBT no ambiente de trabalho, apresentando os principais constrangimentos enfrentados neste ambiente. Além disso, humanize essas pessoas. Ou seja, mostre que são seres que sonham, têm amigos, famílias, nomes, histórias.
Empatia: explicar como a empatia diária pode promover um ambiente de trabalho mais diverso e inclusivo para todas, todos e todes. E como isso também impacta positivamente no relacionamento com os clientes.
LGBT de A a Z: Diversidade Sexual e de Gênero - De forma didática explicar a diferença entre identidade gênero e orientação sexual. Oferecer muitos exemplos da diversidade sexual, afetiva e de gênero, além de explicar como respeitar cada uma delas.
Nome social - Explicar o que é, apresentar a evolução do uso no Brasil e conscientizar sobre o respeito ao nome e pronomes de pessoas trans. Além de ensinar quais perguntas ou comentários devem ser evitados à uma pessoa trans.
Demonstrar com base em pesquisas, como é mais saudável, criativo e inovador ambientes onde a diversidade é promovida e respeitada.
Conscientizar sobre os perigos da transfobia e da homofobia para a saúde mental e física de quem é vítima e também para a sociedade de maneira geral.
Apresentar várias situações em que colaboradores de hotéis, pousadas e outros estabelecimentos ligados ao turismo foram transfóbicos e homofóbicos e quais sãos os diversos prejuízos que nascem dessas atitudes, entre eles o cancelamento dos clientes e também nas redes sociais.
Apresentar, por meio de exemplos, maneiras mais acolhedoras e respeitadas de atender a comunidade LGBT .
Abrir espaço para tirar dúvidas sobre o assunto.
Essas são algumas ações e assuntos que podem ser o ponto de partida para um grande projeto de Diversidade e Inclusão na sua empresa. E diante dessas dicas, fica a pergunta: Você que é dona ou dono de estabelecimentos ligados ou turismo, vai começar a investir em D&I ainda em 2021 ou vão continuar no prejuízo?