Jornal Estado de Minas

NOVEMBRO NEGRO

Como você trata homens negros, especialmente em ambientes públicos?

Em 2020, no início da pandemia, explodiram golpes financeiros em todo o país. E acabei sofrendo uma dessas fraudes. Quando descobri, fui até a polícia registrar boletim de ocorrência e também fui até o banco para entender o que tinha acontecido. Minha esposa me acompanhou em todos os momentos.




 
Depois de algumas horas lá dentro,  chamei um Uber em frente ao banco para ir para casa e ali esperamos por alguns minutos com a cabeça cheia de preocupações por conta da fraude. Do outro lado da rua, algumas pessoas que se exercitavam estavam me encarando muito, mas resolvi ignorar os olhares zoológico e focar meus pensamentos no meu problema. 

Mas, em um determinado momento, um rapaz forte e sarado que também se exercitava do outro lado da rua, não satisfeito em me encarar fixamente, se deu ao trabalho de atravessar a rua e se vir pra cima de  mim.
 
Muito nervoso, ele perguntou à minha esposa (que é uma mulher branca), se aquilo era um assalto, se eu estava fazendo mal a ela. A cada pergunta que ele fazia, ele também dava um passo em minha direção. Na agressividade dos gestos e no tom de voz desse rapaz não tinha espaço para dúvida: para ele, eu estava assaltando minha esposa e merecia apanhar. 
 


Tanto que, mesmo argumentando que a atitude dele era absurda, em  nenhum momento ele pediu desculpas.  De cara, entendi o que estava acontecendo. Mas algumas pessoas que souberam dessa situação falaram o seguinte: “você tem que entender Arthur que esse rapaz apenas estava tentando proteger sua esposa, ele fez isso pensando no bem dela”. 





Vamos lá: Dentro dessa lógica, uma mulher branca pelo simples fato de estar  próxima de um homem negro precisa de proteção? Além disso, essa mulher branca é vista e tratada como um humano que merece cuidados. Agora me diga, qual é o meu papel nessa história? 

Estava apenas parado em frente ao banco, esperando o uber. Mas, na cabeça desse rapaz e de milhões de brasileiros e brasileiras, um corpo negro em ambientes públicos só pode ser lido como bandido, como um perigo. Isso não tem outro nome, é racismo.

Se você é um homem negro com certeza entende o que estou falando. Além de situações agressivas semelhantes a essa que compartilhei, nossa presença em ambientes públicos quase sempre vem acompanhada de olhares fixos de medo e a tentativa, às vezes até desesperada, de pessoas tentando se afastar de nós. 
 


Uma vez dentro do Move, um rapaz branco que  estava sentado em uma cadeira na minha frente, se virou, olhou para mim de cima a baixo e com um cara de medo e foi sentar mais à frente. Fiquei tão sem graça na hora. 





Sem falar das pessoas que atravessam a rua quando me veem, o barulho que escuto das portas dos carros sendo trancadas quando eu passo pela calçada e as inúmeras vezes que já fui perseguido por seguranças dentro de lojas. Tanto que evito movimentos bruscos, fico longe das prateleiras e também evito abrir bolsas ou sacolas dentro dos estabelecimentos para evitar acusações de roubo. E, quando compro alguma coisa, por hipótese alguma eu saio da loja sem a nota fiscal. 

A sensação que eu tenho é que algumas pessoas não veem humanidade em nossos corpos negros. Como se a gente fosse “um perigo ambulante, prontos para fazer o mal o tempo todo”. 

“Mas Arhur, tudo que você falou são casos isolados ou são perseguições que os próprios negros criam na cabeça”. Já escutei muitas frases assim e sempre vieram de pessoas brancas. Pessoas que não precisam evitar movimentos mais bruscos em ambientes públicos, que não precisam ter medo de correr atrás de um ônibus para não serem confundidos com bandidos, que não precisam estar sempre em estado de alerta.
 
 

Ladrão, abusador, criminoso, agressivo e perigoso. Associar o homem negro a tudo isso é um dos frutos do racismo estrutural. As pessoas naturalizam tanto essas situações e atitudes racistas que, às vezes, chegam até a verbalizá-las. Em junho de 2020, uma blogueira durante um vídeo falou: “Se você está num parque à noite, escuro, e você vê uma pessoa andando e essa pessoa é negra e ela tem os trejeitos que parecem ser um criminoso, você vai ficar com mais medo do que se você visse uma pessoa branca de terno e gravata. Isso é natural do ser humano”. A blogueira também afirmou: "racismo sempre vai existir enquanto a maioria dos crimes for causada pela população negra.. .algo natural, um instinto de defesa". 





Diante de casos como dessa blogueira, às vezes escuto a seguinte frase: “não dê bola para o que essa pessoa, ela deve ter problemas psicológicos/psiquiátricos, então releva”. Atribuir comportamentos e falas racistas a questões ligadas à saúde mental também é uma maneira de tentar esvaziar o debate sobre racismo estrutural e também eximir as pessoas de se responsabilizarem por seus atos e de exigir a mudança de seus comportamentos. 

Nesse artigo, quero deixar algumas perguntas: 

  • Como você olha e trata homens negros, principalmente em ambientes públicos? 
  • Você já parou para pensar como a associação racista de que homens negros são "violentos, abusadores e perigosos" nasceu? 

Nesse Mês da Consciência Negra, quero estimular sua reflexão e também sua ação! 

Já passou da hora de entender o que é racismo estrutural, já passou da hora de você entender o que é branquitude e qual é seu papel na luta real contra o racismo. Nesse sentido deixo aqui uma dica de leitura: o livro Racismo Estrutural de Silvio Almeida. 

Outra dica é o documentário 13ª Emenda, disponível na Netflix. Ele foi dirigido por Ava DuVernay e escrito por DuVernay e Spencer Averick. Ele mostra como foi o processo de construção da imagem da população negra nos Estados Unidos e também quais são suas consequências na sociedade norte-americana. O documentário mostra, por exemplo, como foi criada e fortalecida a imagem racista do homem negro como “super predador sexual”. 

E se você quiser saber mais sobre a vivência de um homem negro, me siga nas redes sociais. Durante todo o Novembro Negro, vou abordar o assunto por lá. 






audima