Depois da morte de George Floyd nos Estados Unidos, que gerou uma onda de protestos no mundo e debates sobre o racismo na sociedade, algumas empresas, principalmente as grandes, passaram a intensificar algumas ações para promover a diversidade étnico-racial. Mas essas ações em muitas empresas ainda são tímidas ou então elas nem existem.
Aliás, infelizmente muitas dessas empresas “lidam” com diversidade étnico-racial apenas quando é necessário publicar uma nota de repúdio. Quer um exemplo? Quando um ato de racismo é praticado em uma empresa e acaba ganhando notoriedade em diferentes mídias, mesmo não investindo em programas de Diversidade e Inclusão (D&I) e em ações de equidade, notas de repúdio são feitas e frases como essas são ditas:%u2800
”Nossa empresa tem comprometimento com a diversidade e inclusão, não compactuamos com atos racistas”, “não tivemos a intenção de ofender ninguém”, “a empresa não endossa esse tipo de comportamento", “vamos desligar a pessoa que cometeu o ato racista", e por aí vai.
É bom ressaltar que, quando necessária, a nota de repúdio faz parte das medidas de retratação, mas não deve ser encarada como única ou principal ação que confirma o comprometimento da empresa ou instituição em relação à promoção de diversidade étnico-racial.
Na prática, o que as empresas têm feito para reduzir as situações que desencadeiam numa nota de repúdio? Com essa pergunta fica a provocação: Diversidade racial realmente faz parte das prioritárias dessas empresas?%u2800
Ao longo da história, muitas empresas no Brasil nunca foram além do que uma nota de repúdio em casos de racismo. Como falei no início desse artigo, foi apenas depois de 2020 que o racismo institucional passou a ser discutido mais abertamente entre equipes e lideranças de algumas empresas (ainda que poucas).
Mas, afinal, o que é o racismo institucional? São manifestações racistas que ocorrem em instituições públicas e privadas, como órgãos governamentais, empresas privadas e universidades. De acordo com o Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI), em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações.
O quanto de racismo está presente no universo corporativo? De acordo com pesquisa divulgada pela consultoria Etnus, praticamente 7 em cada 10 (67%) profissionais negros já sentiram que perderam uma vaga de emprego por conta de sua cor. Além disso, segundo o levantamento, 92% deles acreditam que existe racismo na contratação de candidatos e 60% já sofreram preconceito no ambiente de trabalho. Além disso, nas empresas brasileiras, menos de 30% dos cargos de liderança são ocupados por pessoas negras, segundo o IBGE.
Já uma pesquisa do Instituto Ethos com as 500 empresas de maior faturamento do Brasil aponta que os negros são de 57% a 58% dos aprendizes e trainees, mas na gerência eles são 6,3%. No quadro executivo, a proporção é ainda menor: apenas 4,7% são negros. Além disso, no quadro funcional, a porcentagem é de 35,7% (7% pretos; 28,7% pardos). Além disso, de acordo com o levantamento do Ethos, a grande maioria dessas empresas não tem medidas e nem programas para ampliar a presença de pessoas negras em postos de alta liderança.
Ou seja, quanto maior o cargo, menor a presença de pessoas negras.
Além disso, o racismo institucional se manifesta também de outras formas no universo corporativo. Por diversas vezes fui alvo de “piadas” e “brincadeiras” racistas, recebi apelidos carregados de racismo estrutural e minha inteligência e capacidade foram subestimadas por diversas vezes, até mesmo por lideranças. E, muitas vezes, quando pessoas negras abrem a boca para questionar essas situações racistas no ambiente de trabalho, são taxadas de mimizentas.
Segundo pesquisa realizada pela plataforma de empregos Indeed, em parceria com o Instituto Guetto, 47,8% dos profissionais negros não têm a sensação de pertencimento nas empresas em que trabalham. O que demonstra que essas empresas não possuem comprometimento em criar estratégias e ações contínuas e profundas para promover letramento e conscientização sobre a diversidade étnico-racial na prática. Além disso, a pesquisa aponta que quase 47% das pessoas entrevistadas já presenciaram cenas de discriminação no ambiente corporativo.
Diante desses dados, fica evidente a necessidade de mudanças. Um programa bem elaborado para promover a diversidade e inclusão na empresa é um investimento de médio e longo prazo que com certeza vai gerar bons resultados. Ou seja, pode impactar a cultura dessa empresa que historicamente vem dando manutenção a estruturas de poder.
Palestras, mentorias e treinamentos, são importantíssimos para promover letramento e conscientização entre as equipes e lideranças, além de programas de trainees e de formação de lideranças negras.
Entre essas ações de diversidade e inclusão quero destacar alguns pontos que precisam ser explicados e trabalhados e não podem faltar:
- O que são vieses inconscientes
- O que é racismo estrutural
- Como é a vivência de pessoas negras no Brasil
- Como é a vivência de pessoas negras no ambiente corporativo
- O que é racismo institucional
- Racismo na linguagem: Falas e comentários racistas
- Racismo recreativo: “piadas” e "brincadeiras" racistas
- Como ser antirracista na pratica
- Como o ambiente de trabalho pode ser uma Ilha de Acolhimento para profissionais negres
Esse Mês da Consciência Negra pode ser uma boa oportunidade para você refletir: quais ações concretas sua empresa tem adotado nas últimas décadas para combater o racismo no ambiente de trabalho? Ou ela só lida com o assunto quando precisa redigir uma nota de repúdio?