Jornal Estado de Minas

NOVEMBRO NEGRO

Mês da consciência negra: crianças negras têm nome

 

O título desse artigo parece óbvio, mas, na prática, não é bem assim. Desde a infância, por diversas vezes nosso nome é substituído por ofensas e apelidos racistas, como: "nega do saravá", “macaco”, “asfalto”, "carvão", "galinha preta", "fumaça", entre outros. 





Tanto no meu ensino fundamental como na convivência com colegas em brincadeiras na rua, minha infância foi marcada por esses apelidos maldosos - que ficavam ainda piores quando pedi para não ser chamado assim. Com isso, em várias situações ficava mais calado, quieto para não ser visto e, assim, evitar ser alvo dessas “brincadeiras”.  
 
 
O que para algumas pessoas pode ser encarado “apenas com uma brincadeira de criança”, na realidade são atos que ridicularizam,  ferem, magoam  e atrapalham nossa autoestima.  Essas ofensas e apelidos racistas são um legado direto do racismo estrutural que começou a ser alimentado por essas terras desde 1535.

Foram mais de 300 anos desumanizando, coisificando e  destruindo corpos negros, além do apagamento das muitas linguas, culturas, identidades e raízes negras. Aliás, uma das primeiras ações de controle dos colonizadores e seus descendentes era mudar os nomes e sobrenomes dos escravizados.
 
 
Além disso, os escravizados eram chamados por diferentes expressões e apelidos depreciativos. Atitude racista que atravessou séculos e que ainda se manifesta na forma como pais, mães e responsáveis falam e enxergam a população negra. Até porque, como já apontei em um outro artigo, crianças não nascem racistas, elas são ensinadas, e qual melhor ensinamento que o exemplo, não é mesmo? 

E além dessas ofensas “disfarçadas de piadas ou brincadeiras de criança”, existem outras formas que demonstram a naturalização com a sociedade muitas vezes “esquece” que crianças negras têm nome. Quer exemplos? Quantas vezes você já falou frases parecidas: “neguinha, sua mãe está em casa?”, “é o moleque pretinho da rua de cima”, ou “oh neguim, vai lá na mercearia pra mim”?
 
 
“Vixi Arthur, agora não posso falar mais nada que é racismo. Quando eu falo essas coisas, falo porque tenho carinho pela criança”. Diante desse argumento, bora pensar uma coisa: quantas vezes na vida você soltou uma frase semelhante: “oh branco, vai buscar um refri na mercearia pra mim”? Se fosse só por uma questão de carinho, isso também caberia para as crianças brancas.





Sabe porque você não faz isso? Porque o branco não é encarado como raça, o branco é naturalizado, o branco é a metáfora do poder. Quer um exemplo simples que demonstra isso? Na sua infância, qual era o único lápis que tinha o nome de cor de pele?  Era um lápis bege clarinho né? 

Como já falei, crianças aprendem muito mais pelo exemplo. Você já viu alguma criança falando frases como: “branco, vamos brincar?” ou “branco, me empresta o lápis?”. Essa criança pode tornar-se um adulto que naturaliza o ato de não atribuir nome a crianças e pessoas negras.

O  nome de uma pessoa tem uma ligação direta com identidade, humanidade, autoestima e essência. Seja de forma consciente ou inconsciente, quando você simplesmente ignora o nome de uma criança negra e  atribui a ela diferentes formas de chamá-la com expressões que dão manutenção ao racismo estrutural, esse movimento contribui para a desumanização dessa criança. 

Muitas pessoas me perguntam, principamente nesse Mês da Consciência Negra, como ser antirracista. Existem diferentes maneiras, mas em todas não pode faltar uma coisa: a PRÁTICA!

Por meio do exemplo e da prática escolar, pais, mães e responsáveis podem ensinar  seus pequenos e pequenas que crianças negras têm nome! 


audima