Em uma determinada noite estava voltando do trabalho para casa de Move, o BRT de Belo Horizonte, e, mesmo não tendo lugar para sentar, por um milagre, o ônibus não estava lotado, ou seja, o corredor estava livre. Então escolhi um lugar para me segurar e fui em pé.
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Interseccionalidade: pessoas trans negras sofrem violências física e verbalComo o racismo institucional põe em risco a vida de jovens negros?Homem transgênero dá à luz: 'momento mágico'Como a indústria não atende às demandas da população negra?Representatividade importaMas mais uma vez ele se aproximou e, dessa vez, posicionou o corpo dele de uma maneira que encostasse ainda mais no meu. Fiquei muito assustado e por sorte o ônibus abriu as portas e mais que depressa saltei do coletivo.
Na correria, acabei desembarcando em uma estação que não era a minha. Quando olhei para trás, o cara estava com o rosto colocado no vidro da porta do ônibus me encarando. Acredito também que foi sorte a porta do Move ter fechado tão rápido.
Além disso, no início da minha transição, tive que mudar minhas rotas para chegar em casa depois do trabalho, principalmente porque um funcionário que trabalha em uma determinada estação do Move, sempre que eu desembarcava do ônibus e pisava na plataforma, me encarava, começava a fazer piadas e apontar o dedo para mim. Isso mesmo, um funcionário uniformizado do Move. Isso foi tão absurdo e constrangedor que um dia cheguei a confrontar ele.
Infelizmente, situações semelhantes a essas acontecem diariamente com pessoas trans em ônibus e metrôs por todo o país. Segundo a 1ª Pesquisa da Diversidade realizada pela Rede Nossa São Paulo, 46% das pessoas entrevistadas já foram ou viram outra pessoa sendo vítima de preconceito de gênero ou orientação sexual no transporte público da maior capital do Brasil.
Imagine só: você sai do trabalho exausto, doido para chegar em casa e descansar, mas assim que você entra no ônibus 5, 7, 10 pessoas passam a te encarar fixamente durante quase toda a viagem e, para piorar a situação, algumas pessoas até fazem piadas sobre sua aparência. Perdi as contas de vezes passei por isso dentro de ônibus. Só quem sente na pele sabe como é a sensação de constrangimento e insegurança que dá.
Estou ajudando a produzir um episódio de podcast sobre a mobilidade em Belo Horizonte e fica nítido que diariamente a população na capital encara ônibus lotados, que descumprem horários e que estão em péssimo estado. Para esse programa entrevistamos André Veloso, doutorando em Economia pela UFMG e integrante do Movimento Nossa BH, que afirmou que as coisas precisam mudar, que o transporte precisa ser visto como direito e não como calvário.
Infelizmente, além dos problemas que atingem todo usuário, o transporte ainda é um lugar hostil para grupos minoritários como as pessoas trans. Ou seja, muitas vezes é um ambiente de insegurança, medo e constrangimento.
Infelizmente, além dos problemas que atingem todo usuário, o transporte ainda é um lugar hostil para grupos minoritários como as pessoas trans. Ou seja, muitas vezes é um ambiente de insegurança, medo e constrangimento.
Mas na prática o que pode ser feito para combater preconceitos e também aumentar a segurança das pessoas trans nos transportes públicos coletivos?
Mudança cultural
É necessário o comprometimento do poder público em promover campanhas bem elaboradas e profundas que busquem conscientizar toda a população sobre o respeito e acolhimento a corpos dissidentes. É necessário encontrar diferentes caminhos para humanizar pessoas trans também dentro do transporte público coletivo.Conscientização e sensibilização de profissionais do transporte público coletivo
Todas as pessoas que trabalham diretamente ou indiretamente nessa modalidade precisam receber letramento sobre a comunidade LGBTQIA+. Não só entender o que cada sigla significa, mas também humanizar essas vivências e corpos. Para isso é necessário investir em palestras, treinamentos e mentorias. Além de materiais informativos, como cartilhas.Ausência de dados
A população trans no Brasil é muito negligenciada, começando pela falta de dados oficiais sobre a comunidade. Por exemplo, não existem dados municipais, estaduais e federais de quantas pessoas trans existem no território brasileiro. Como é possível pensar políticas públicas assertivas para essas pessoas sem saber quais são as suas demandas e necessidades? Isso inclui políticas públicas para promover um transporte público mais seguro e acolhedor para corpos discentes.Desembarque fora do ponto de ônibus durante a noite e madrugada
A Lei 16.490, de julho de 2016, da cidade de São Paulo, permite a mulheres, idosos, travestis, transexuais e outras pessoas que estiverem em sua companhia, desembarcar do ônibus fora do ponto, entre as 22h e as 5h, em dias úteis, feriados e finais de semana. A medida é uma forma de garantir mais segurança na jornada das pessoas e pode ser replicada por outras cidades. Aliás, já existem alguns projetos de lei sobre o assunto tramitando.Essas não são as únicas ações necessárias para transformar o transporte público coletivo em um ambiente seguro para a população trans, mas são passos fundamentais nessa caminhada.