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Estado de Minas NÃO É BRINCADEIRA!

Não se esqueça: pessoas negras têm nome!

Quantas vezes você deixou de perguntar ou ignorou o nome de pessoas negras?


09/12/2022 09:52 - atualizado 09/12/2022 10:20

 
Fui assistir em um bar ao jogo do Brasil e Coreia do Sul pelas oitavas com minha esposa e dois amigos. Tudo estava indo muito bem, até que uma pessoa perguntou para qual time cada um torcia. Quando falei qual era meu time do coração escutei: “não é racismo, mas só preto torce para esse time”.
 
Na hora, demorei para assimilar e até reagir. Mas não parou por aí. Minutos depois, essa mesma pessoa, sempre que ia conversar comigo me chamava de “nego”, “negão”, “preto”, “pretão”. Ele fez tudo isso sempre usando o tom de “brincadeira”. 
 
A situação já estava me incomodando muito e em um determinado momento falei qual era meu nome e que era para me chamar pelo meu nome. Quando falei isso, deu para perceber no rosto dessa pessoa que ela assustou, e logo veio com falas do tipo: “não, não estou fazendo isso por mal não negão, que isso!”. Mas insisti: ‘MEU NOME É ARTHUR, ME CHAMA PELO MEU NOME!’. Acredito que a “ficha dele caiu” e a partir desse momento ele começou a me tratar pelo o meu nome. 

Infelizmente, essa situação não é isolada. Já vivi isso inúmeras vezes, até no ambiente de trabalho. Lembro que uma liderança, por anos, também utilizou esses “apelidos” para me chamar. Meu desconforto já era tamanho que tive que conversar com essa liderança.
 
Nessa ocasião, expliquei como o racismo estrutural está presente nesse apagamento de nomes de pessoas negras, e também expliquei que o “argumento” que “é apenas uma forma de demonstrar carinho” não é verdadeiro. Até porque nunca escutei essa mesma liderança expressando esse “carinho” chamando por exemplo, colega de trabalho não negro de “branco” ou “branquinho”. 
 
Fica a pergunta: Por que no Brasil as pessoas naturalizaram o apagamento do nome de pessoas negras? Por que o nome de pessoas negras é ignorado e desrespeitado? 
 
Os “apelidos” racistas e esse apagamento são legados diretos do racismo estrutural que começou a ser alimentado por estas terras desde 1535.
 
Foram mais de 300 anos desumanizando, coisificando e  destruindo corpos negros, além do apagamento das muitas línguas, culturas, identidades e raízes negras.
 
Foram mais de 300 anos criando e fortalecendo “piadas”, "brincadeiras" e palavrões racistas. Ou seja, os escravizados eram chamados por diferentes expressões e apelidos depreciativos.

Aliás, uma das primeiras ações de controle dos colonizadores e seus descendentes era apagar os nomes e sobrenomes das pessoas escravizadas. Você tem noção da crueldade que isso representa? Nome tem a ver com identidade e essência. Isso também foi arrancando dessas pessoas. 
 
Atitude racista que atravessou séculos e que ainda se manifesta hoje. Mas para dar a sensação de “leveza” esse apagamento do nome pessoas negras sempre vem acompanhado de um tom de “humor”, “brincadeira” ou de “carinho”.
 
Mas não se engane, uma das principais características do racismo estrutural no Brasil é o cinismo e a sofisticação. Esse tom “leve” justamente é usado como “argumento” para dizer que a pessoal alvo do racismo está de “mimimi”, e frases como essas surgem: “não estou fazendo por mal, negão”, “você não sabe brincar, neguinho?”.
 
E, infelizmente, desde muito cedo, pessoas negras sentem isso na pele. Por exemplo, já percebeu que,na maioria das vezes, crianças negras não têm nome? Desde a infância, por diversas vezes, nosso nome é substituído por ofensas e apelidos racistas, como: "nega do saravá", “macaco”, “asfalto”, "carvão", "galinha preta", "fumaça", entre outros.
 
Tanto no meu ensino fundamental como na convivência com colegas em brincadeiras na rua, minha infância foi marcada por esses apelidos maldosos - que ficavam ainda piores quando pedia para não ser chamado assim.
 
Com isso, em várias situações ficava mais calado, quieto, para não ser visto e, assim, evitar ser alvo dessas “brincadeiras”.  O que para algumas pessoas pode ser encarado “apenas com uma brincadeira de criança”, na realidade são atos que ridicularizam, ferem, magoam e atrapalham nossa autoestima. 
 
Além disso, quantas vezes você já falou frases parecidas: “neguinha, sua mãe está em casa?”, “é o moleque pretinho da rua de cima”, ou “oh neguim, vai lá na mercearia pra mim”?
 
“Vixi, Arthur, agora não posso falar mais nada que é racismo. Quando eu falo essas coisas, falo porque tenho carinho pela criança”. Diante desse argumento, bora pensar uma coisa: quantas vezes na vida você soltou uma frase semelhante: “oh branco, vai buscar um refri na mercearia pra mim”? Se fosse só por uma questão de carinho, isso também caberia para as crianças brancas.
 
Sabe por que você não faz isso? Porque o branco não é encarado como raça, o branco é naturalizado, o branco é a metáfora do poder e do belo. Quer um exemplo simples que demonstra isso? Na sua infância, qual era o único lápis que tinha o nome de cor de pele?  Era um lápis bege clarinho né? 
 
Ou seja, por conta do legado na escravidão, que nunca foi encarado de frente no Brasil, tudo que não é lido como branco é tido como algo ruim, errado, inadequado, sem valor. Quando vou assistir a um jogo com amigos e uma pessoa se dirige a mim, o meu fenótipo que é negro é lido primeiro, e ele é lido como algo menor, inadequado, “diferente”, ao ponto de uma pessoa que nunca vi na minha vida se sentir confortavel de me chamar como bem entender. Ou seja, pouco importa se tenho nome e sobrenome. 
 
Talvez você não seja essa pessoa, a pessoa que reproduz “apelidos” racistas, mas quantas vezes você deixou de perguntar ou ignorou o nome de pessoas negras? Quantas vezes você já disse frases como: “é a menina que trabalha lá em casa”? Como se essa pessoa negra não tivesse nome. 
 
Pessoas negras têm nome! Então, pergunte qual é e respeite esse nome! 
 

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