Jornal Estado de Minas

DIREITO A SER

População LGBTQIAP+ e as dores das religiões

Quem me acompanha aqui já sabe que sou um homem trans negro e, há mais ou menos quatros anos, iniciei meu processo de transição. Mas o que muitas pessoas não sabem é que, durante o período entre a minha pré adolescência e início da minha vida adulta, frequentei e participei ativamente das atividades religiosas em uma grande igreja neopentecostal. Até cargos de liderança ocupei nessa instituição. 





Durante esse período, a culpa, o julgamento e as frequentes “maldições” proferidas nas reuniões dessa grande igreja neopentecostal me oprimiram, e por anos posterguei os meus pensamentos, desejos e a possibilidade de ser quem eu sou. 

No meu caso, sempre soube que era diferente e, desde muito cedo, entendi que essa diferença não era algo que as pessoas gostavam. Pelo contrário, sobretudo nessa igreja escutava frases como: “quem pratica essas coisas desagrada a Deus”, “essas coisas são abomináveis aos olhos de Deus”. 

Por isso me dediquei às atividades dessa igreja desde a pré-adolescência, buscando “aceitação divina” e também social. Só para você ter uma ideia, meus primeiros cargos nessa instituição religiosa, que mais se parece com uma empresa, se iniciaram aos 12, 13 anos de idade. Minha dedicação era de segunda a segunda e voluntária. Realizava tudo de coração, achando que estava agradando e servindo a Deus.





Quando um simples pensamento sobre meninas passava pela minha cabeça ou nos momentos em que me sentia muito desconfortável por ser lido como mulher, rapidamente ia orar e pedir perdão a Deus. Perdi as contas de quantas vezes fui dormir chorando implorando para não ser quem eu era. 


Mas após o ingresso na faculdade (aos 19 anos), passei a não ter tanto tempo para me dedicar como antes e as cobranças e julgamentos dos líderes religiosos aumentaram.
 
Também passei a questionar mais algumas atitudes que eram recorrentes nessa igreja: abusos de autoridades de bispos e pastores, assédio moral, perseguições, humilhações, falta de incentivo para os obreiros estudarem, pressão psicológica para as pessoas darem dinheiro no “altar”, sem falar nas ameaças e “maldições” caso você cogitasse sair da instituição ou questionar alguma atitude dos chamados “homens de Deus”. Esses líderes religiosos costumam “dar pitaco” até sobre com quem você deve namorar. Um comportamento de seita mesmo. 

Então, aos 21 anos resolvi deixar os cargos que tinha nessa igreja, mas a lavagem cerebral foi tão bem feita em mim que realmente pensei que estava indo contra Deus por me dedicar aos estudos e ter pensamentos diferentes por meninas.





Afinal, essa instituição religiosa me ensinou desde cedo que o mais importante era ser fiel nos dízimos, nas ofertas e nos frequentes SACRIFÍCIOS EM DINHEIRO. Lá aprendi que o julgamento, as “maldições” e as acusações valiam mais do que empatia, acolhimento e perdão.
 
Um Jesus que ama, que abraça e que não julga não me foi apresentado lá. Por isso, mesmo sabendo que gostava de meninas, mesmo com um desconforto gigante por ser lido como mulher,  por conta dessa pressão e do julgamento religioso, só fui começar a me permitir ser quem eu sou entre os meus 24 e 25 anos. Mesmo assim, com muito medo e culpa.

De forma resumida, é possível ver como a religiosidade hipócrita e conveniente me impediram por muito tempo de viver algumas facetas da minha vida. E infelizmente essa é a realidade de muitas outras pessoas que são LGBTQIAP+.




 
Muitas vezes, a religião é usada como ferramenta para ensinar essas pessoas a se odiarem, a procurar por uma falsa “cura” e viver em uma constante e angustiante prisão espiritual, mental e emocional. Não é à toa que muitas pessoas LGBTQIAP que frequentam determinadas instituições religiosas ainda vivem nesses ambientes.

E te garanto que, para muitas pessoas que compõem essa população, mesmo depois de anos fora desse armário, infelizmente, até hoje a dor gerada por alguns líderes religiosos que só se preocupam com grana, em julgar e desprezar quem não é igual a eles, ainda é algo muito presente.
 
No meu caso, continuo crendo em Jesus, e estou em um processo para desenvolver minha espiritualidade para além das dores da religião que habitam em mim. Tanto que o assunto ainda é tema de muitas das minhas sessões de terapia. 

Mas uma coisa te garanto: não há nada de errado em ser quem você é! E digo mais, meu objetivo com esse artigo não é atacar as religiões. Meu objetivo é demonstrar como algo que deveria ser ambiente de acolhimento, restauração, um lugar que promove afeto e o respeito, infelizmente, muitas vezes vem sendo usado por algumas lideranças religiosas para proferir discurso de ódio, perseguições, assédio moral e humilhações, sobretudo contra pessoas que fazem parte de grupos minorizados.