Jornal Estado de Minas

TRNASFOBIA

Pessoas trans saem menos de casa por medo de agressão, revela estudo



Imagine a seguinte situação: sempre que você precisa sair de casa, as pessoas na rua dão risada, “fazem piadas” sobre sua aparência, seu corpo, sua identidade, sobre seu nome, fazem "brincadeiras" sobre sua essência e sobre suas vivências.





Imagine também que sempre que você sai de casa as pessoas na rua te encaram como se você fosse um ser de outro mundo. Você percebe olhares de nojo, deboche, rejeição, medo e ódio. 

Por último, imagine que sempre que você sai de casa, algumas pessoas na rua tentam tocar no seu copo, ou partem pra cima para te agredir só por você ser quem você é. 

Imaginou essas situações? Diante disso eu pergunto, como seria sua relação com espaços públicos? Você teria vontade de sair de casa ou evitaria sempre que possível circular por lugares públicos?  

Infelizmente, essas são algumas das situações que a população trans enfrenta diariamente no Brasil. Só para você ter uma ideia, no início da minha transição fui fazer compras com minha esposa no centro de Belo Horizonte e depois fomos almoçar em um restaurante também na região central. Escolhemos uma mesa que ficava em uma das extremidades do estabelecimento, bem no cantinho. 

Em poucos minutos, percebi que um senhor que estava na outra extremidade do restante estava me encarando muito. Resolvi ignorar, sobretudo porque estava dias sem sair de casa e queria aproveitar aquele início de tarde com minha esposa. 





Mas esse senhor, não satisfeito em oferecer esse olhar de zoológico, ele se deu ao trabalho de pegar seu prato, atravessar todo o restante e se acomodar em uma mesa bem ao nosso lado. Sem nenhuma cerimônia ele se posicionou bem na nossa frente, fixou os olhos em mim, com um sorriso deixado de lado. Ele ficou minutos assim, nem mesmo terminou de almoçar. 

Passando um tempo, pedi que ele parasse, que aquela postura não era adequada, minha esposa já nervosa também se posicionou. Mas adivinha, esse senhor passou a me encarar ainda mais, e o sorriso debochado já não era de lado, mas sim largo, escancarado. 

Esse senhor só parou com esse comportamento transfóbico e invasivo, quando me levantei para chamar a gerência do restaurante. Naquele momento, ele pagou a conta e foi embora. E um sábado rotineiro e tranquilo, ganhou o peso do constrangimento, dor e indignação.





“Mas Arthur, essas situações são muito frequentes com a população trans ainda?”, SIM, muito mais do que você imagina. Muitas pessoas se sentem no direito de ter esse comportamento com pessoas trans e travestis. Naturalizam diferentes violências, mas não naturalizam nossas vidas, nossa existência, nossos corpos e nossas identidades. Para essas pessoas tudo que não é espelho não pode ser acolhido e respeitado. 

Diante disso, infelizmente é comum que pessoas trans muitas vezes evitam sair de casa, evitam permanecer muito tempo na rua, para não ser alvos de violência física, “piadas”, “brincadeiras”, abusos, olhares e xingamentos. 

Posso falar por experiência, durante um longo período da minha transição, evitei sair de casa. Só quem passa por essas situações já citadas aqui sabe o tamanho da dor gerada em uma simples ida a padaria perto de casa. Um percurso pequeno, que muitas vezes é recheado de “piadas”, “brincadeiras”, olhares e outras violências. O que estou tentando dizer é que, uma pessoa trans muitas vezes não tem nenhum lugar de paz, e as agressões são tantas que ela vai evitando sair para se proteger. Até mesmo o prazer de sair diminui. 





A transfobia, infelizmente, contribui para a retirada do direito de ir e vir da população trans e travesti. Tanto que uma pesquisa inédita do Instituto Locomotiva mostra que pessoas trans saem menos de casa do que as pessoas cisgênero, por medo de serem agredidas. O estudo também mostra que nove em cada 10 temem sofrer algum tipo de agressão ou assédio em deslocamentos. Quatro em cada 10 trans já foram vítimas de transfobia só por andar pela cidade. 

O direito de ir e vir é garantido em nossa Constituição de 1988 (artigo 5º, XV) e também é conferido a todo cidadão pela Declaração dos Direitos Humanos da ONU, assinada em 1948. Mas na prática isso ainda não vale para a população trans e travesti.